Senhor e Salvador

Esta é, talvez, a primeira verdade que aprendemos sobre o Senhor Jesus quando O recebemos como Salvador. Ela nos enche o coração de alegria. Exultamos ao pensar que estamos salvos, pois Cristo salvou nossa alma. No entanto, não é a única verdade que precisamos aprender a respeito d’Ele. Há muitas outras que a Bíblia menciona. Neste artigo, procuraremos olhar principalmente para a verdade de Cristo como nosso Senhor. Ele é Salvador, eu sei, mas será que já entendemos que Ele é, igualmente, o Dono, o Possuidor, o Senhor da nossa vida?

Cristo é nosso Salvador! Que verdade preciosa! Dificilmente poderemos descrever com meras palavras a profundidade dessa verdade. Temos um Salvador. Ele é nosso, e nós somos d’Ele. Ninguém pode nos tirar dessa posição singular; ninguém pode nos lançar na perdição eterna. “Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus?” Quem? “É Deus Quem os justifica”. “Quem é que condena?” Quem? “Pois é Cristo Quem morreu, ou antes Quem ressuscitou dentre os mortos, o Qual está à direita de Deus, e também intercede por nós” (Rm 8: 33-34). Sendo Cristo, O eterno Filho de Deus, nosso Salvador, não podemos perecer. “Agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8:1).

“Senhor e Salvador” – A Posição dos Títulos

A diferença na posição dos títulos do Senhor Jesus na Bíblia é importante. Por exemplo, se você estudar o NT notando em que contextos a Bíblia chama ao Senhor Jesus de “Jesus Cristo” e quando ela O chama de “Cristo Jesus”, vai aprender muitas verdades importantes sobre a Pessoa singular que nos salvou. Mas para o nosso estudo, vamos usar a segunda carta de Pedro para notar que, antes de ser “Salvador”, Ele é nosso “Senhor”.

Na segunda carta de Pedro, o título Senhor ocorre 15 vezes num sentido geral, referindo-se tanto ao Pai quanto ao Filho. Destas 15 ocorrências, quatro vezes é usado o termo “Senhor e Salvador” (II Pe 1:11; 2:20; 3:2, 18). Dividindo ainda mais estas ocorrências, podemos perceber que, das quatro, apenas três usam o título “Senhor e Salvador” seguido, imediatamente, dos nomes próprios “Jesus Cristo”. Ou seja, três vezes na segunda carta de Pedro é usado o título completo “Senhor e Salvador Jesus Cristo”. E cada uma delas se encontra em um dos três capítulos dessa carta.

Repare também que nessas ocorrências, nunca é mudada nem a posição dos títulos nem a posição dos nomes. Nunca é “Salvador e Senhor” (é sempre o contrário) e nunca é “Cristo Jesus” (é sempre o contrário). Isto se assemelha ao que acontece na carta de Tito onde, por três vezes (também uma em cada capítulo), Deus é chamado de “Deus, nosso Salvador”, nunca “Salvador, nosso Deus” (Tt 1:3; 2:10; 3:4).

Outro texto em que podemos perceber a importância da posição dos nomes é Jo 13: 13-14. No primeiro versículo o Senhor diz que os discípulos O chamavam de “Mestre e Senhor”. No entanto, no versículo seguinte, Ele muda a posição dos títulos e diz “Senhor e Mestre”. Embora os discípulos O chamavam primeiro de Mestre, depois Senhor, Ele corrigiu, mostrando que primeiro é Senhor, depois Mestre.

A posição dos títulos é importante, não devemos negligenciar este detalhe. O Senhor Jesus é nosso Salvador, é verdade, mas não podemos esquecer que Ele é, da mesma forma, nosso Senhor. Mais do que isto, se o Espírito Santo quis usar os títulos nesta ordem, é porque Ele quer nos ensinar alguma verdade. E eu creio que a verdade que devemos aprender é que antes de ser nosso Salvador, o Senhor Jesus é nosso Senhor. Muito frequentemente nos referimos ao Senhor Jesus como “nosso Senhor e Salvador”, mas será que, na nossa mente, não estamos enfatizando somente a verdade de que Ele é nosso Salvador? Será que entendemos a solene verdade de que Ele é nosso Senhor?

Cristo como nosso Senhor e Salvador nos ensina que quando fomos salvos ganhamos não somente um Salvador, mas igualmente um Senhor. Como Salvador Ele tem o direito de preservar a nossa alma para Si. Ninguém pode nos condenar. Ninguém pode nos sentenciar à morte eterna, ao inferno. Nem Satanás, nem o mundo, e nem mesmo a nossa própria natureza caída e perversa pode nos subjugar a uma sentença de condenação eterna. Cristo é nosso salvador! Estamos livres! Estamos livres para sempre! Estamos livres, porém não sem Senhor. Como nosso Senhor, Cristo tem pleno direito sobre a nossa vida. Somos d’Ele, não pertencemos a nós mesmos. Qualquer aspecto da nossa vida pertence a Ele, e cabe a Ele nos governar.

O Direito do Senhor

Enfatizando um pouco mais este aspecto de Cristo como Senhor, vejamos alguns exemplos e aplicações dessa verdade.

I – Direito sobre o nosso ser

Um exemplo – I Cor. 6:19, 20″.Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo, e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus (I Cor 6:19-20).

Creio que a maioria conhece estes versículos. Mas antes de deixá-los, por serem já bem conhecidos, permitam que suas verdades penetrem na mente. “Não sois de vós mesmos”. Por mais que alguém tente se esquivar dessa clara afirmação, não poderá negá-la. Um cristão não pertence a si mesmo. A razão porque deixamos de evidenciar essa verdade é porque gostamos de pertencer a nós mesmos. Gostamos de ser donos de nós mesmos. Mas, embora seja difícil para o nosso “ego” (“eu”, em grego) conceber esta ideia, jamais deveríamos negá-la na prática. Nosso espírito, alma e corpo pertencem a Deus. Não somos senhores de nós mesmos. Temos um Senhor – O Senhor Jesus Cristo.

Sendo todo o nosso ser pertencente ao Senhor, Ele tem todo direito, mais ainda, Ele tem direito soberano de usar nosso espírito, alma e corpo do jeito que bem entender. É verdade que gostamos de usar o “nosso” corpo para auto-satisfação, para exibição, para provocar a inveja nos outros, etc. Mas não deve ser assim. Devemos ser mais cuidadosos com a maneira que usamos o que não nos pertence. Todos nós, sem exceção, gostamos de ser senhores de nós, mas, repito, não deve ser assim.

Muitos prejuízos que já causamos a nós mesmos poderiam ser evitados se vivêssemos mais para o Senhor e menos para nós mesmos. Se fôssemos menos egoístas e mais altruístas, certamente seríamos mais felizes! Se deixarmos de ser servos de nós mesmos e começarmos a servir ao Senhor e uns aos outros, certamente encontraremos nisso o melhor proveito que podemos fazer do nosso ser.

II – Direito sobre nossas decisões

Dois exemplos:

a) Atos 10

Este capítulo é bem conhecido e cheio de lições para nós, mas para o momento vamos destacar apenas a decisão de Pedro. Quando o Senhor lhe mostrou o vaso como um lençol atado pelas quatro pontas, e lhe deu a ordem para comer, Pedro se recusou. “De modo nenhum, Senhor”, disse ele. Um pouco depois, Pedro entendeu que era uma revelação do Senhor para que ele fosse pregar aos gentios. Embora o Senhor já o havia comissionado para esta finalidade ele, como judeu, poderia ter receios de ir aos gentios (At 10:28). Foi necessário o Senhor tratar com ele, para que não resistisse à Sua ordem (At 11:17). Deus, que é Senhor, teve o direito de decidir por ele, independente da sua decisão como judeu.

b) Atos 16:6-10

Nestas ocasiões, Paulo e seus companheiros (possivelmente Silas e Timóteo) estavam decididos a “anunciar a Palavra na Ásia”, mas foram impedidos pelo Espírito Santo. Logo a seguir, decidiram pregar em Bitínia, mas o Espírito, mais uma vez, lhes impediu. Chegando em Trôade, o Senhor lhes mostrou a Sua vontade. E eles (agora tendo, possivelmente, Lucas junto) partiram para a Macedônia, “concluindo que o Senhor nos chamava para lhes anunciarmos o Evangelho”. O Senhor teve direito sobre a vontade deles.

Creio que estes dois exemplos nos ajudam a entender que o Senhor Jesus, como Senhor, tem o direito sobre as nossas decisões. Mais uma vez é necessário confessar que gostamos de seguir nossa tendência natural. Todos nós podemos lembrar com tristeza (senão vergonha!) de decisões obstinadas que tomamos sem a aprovação do Senhor. A bem da verdade, em certos momentos nem mesmo chegamos a consultar ao Senhor para saber a Sua vontade, por medo de que ela fosse contrária à nossa. Mas não convém que seja assim. Como vimos acima, não pertencemos a nós mesmos. Temos o dever de subjugar nossas decisões Àquele que tem pleno direito sobre elas. Talvez, nossas decisões frustradas do passado estejam nos ensinando que devemos deixar de decidir qualquer coisa por nós mesmos e buscarmos a orientação do Senhor.

Todos nós vivemos cercados por circunstâncias que nos obrigam constantemente a tomar decisões. Naquelas decisões que classificamos como “grandes” e que a nossa vontade não pode influenciar, gostamos de consultar ao Senhor. Mas naquelas decisões que envolvem a nossa vontade (e de certo aspecto nos agrada), decidimos por nós mesmos. Decisões sobre emprego, casamento, local onde morar, onde servir ao Senhor, etc., são decisões importantes, não devemos decidir por nós mesmos. Se o Senhor mandou, devemos fazer; se Ele não mandou, devemos esperar a Sua orientação. Jamais deveríamos ir sem que o Senhor nos tenha mandado; e jamais deveríamos ficar, se Ele já nos mandou ir. Que Deus nos ajude a desobedecermos a nós mesmos, para que sejamos mais obedientes a Ele!

III – Direito sobre nossas emoções

Dizer que o Senhor tem direito até mesmo sobre nossas emoções não é exagero. Se concordamos que Ele é Senhor sobre todo o nosso ser, incluindo a alma e o espírito, então não podemos negar que Ele tem direito até mesmo sobre o que sentimos. Os três exemplos que são apresentados abaixo podem parecer extremos para alguns, mas não devemos esquecer que o Senhor tem poder para controlar as circunstâncias e controlar nossas emoções. Por outro lado, estou querendo enfatizar as circunstâncias controladas pelo Senhor, não as que nós mesmos gostamos de controlar.

Três exemplos:

a) Jr 16:1-2 – Jeremias

Este profeta passou por circunstancias bem adversas. Não somos capazes de descrever as muitas lágrimas que ele derramou durante os anos do seu ministério. Chorou, lamentou, sentou-se triste e sozinho. Mas apesar de tudo, Deus tinha completo direito sobre suas emoções. Conforme os versículos citados, Deus não permitiu que ele se casasse e tivesse filhos. Não há duvidas sobre as muitas dificuldades emocionais que Jeremias passou, mas Deus, que tem poder até mesmo sobre as circunstâncias, teve o direito de pedir ao Seu servo que ficasse nessa condição. Deus sabia o que seria melhor para Jeremias e para a Sua obra.

b) Ez 24:15-18 – Ezequiel

Enquanto Jeremias foi privado de se casar, Ezequiel foi privado de ter sua esposa por mais tempo com ele. Certamente a esposa de Ezequiel era muito importante para ele, e servia de muito conforto emocional. Mas Deus lhe pediu sua esposa. Não há dúvidas de que isso causou um abalo emocional em Ezequiel, mas Deus é soberano, pode pedir o que quiser. Deus não fez isso como forma de castigo para Ezequiel, Ele fez porque tem o direito – é Senhor. Além disso, mesmo que nós não saibamos julgar a situação corretamente, não devemos pensar que houve injustiça da parte de Deus. O exemplo de Jeremias nos mostra que Deus tem o direito de controlar as emoções de quem ainda não se casou, e o exemplo de Ezequiel nos ensina que Deus tem o direito de controlar as emoções mesmo de quem já está casado. Deus é Senhor!

c) Gn 22:1-2 – Abraão

Este terceiro caso, o de Abraão, parece nos levar ao nível mais alto do controle de Deus sobre nossas emoções. Jeremias poderia sentir a falta de um casamento, mas suportaria esta falta por nunca ter sido casado. Ezequiel suportaria, com mais dificuldade, a falta da esposa. Mas Abraão, que tinha uma família completa, com esposa e filho, que esperou tanto tempo pelo filho que ele amava, teria de suportar três dias de viagem até chegar ao lugar que Deus lhe indicou. Não sou capaz de descrever o abalo emocional que Abraão deve ter sentido quando Deus lhe pediu o filho. E mais ainda, não dá para descrever suas emoções durante três dias andando junto com o filho que ele amava tanto, mas que ele mesmo sacrificaria. Embora o sacrifício tenha acontecido somente pela fé (Hb 11:17-19), Abraão, até o momento quando houve o brado para parar, estava disposto a ir até o fim!

Resumindo…

Os exemplos citados acima são apenas para nossa lição. O que precisamos aprender disso tudo é que Deus tem direito sobre nós, em todos os aspectos, seja sobre nosso ser, como um todo, seja sobre nossas decisões, seja sobre nossas emoções. Não podemos, entretanto, confundir as circunstâncias que nós mesmos promovemos com as que Deus promove para nós. Neste sentido, é necessário entendermos duas coisas. Uma é que Deus jamais irá permitir uma circunstância para nós que não sejamos capazes de suportar; Ele sempre nos pede o que podemos atender, não o que está acima das nossas forças para obedecer. Outra é que Deus jamais irá promover as circunstâncias para o nosso mal. Mesmo quando as circunstâncias são para nos disciplinar por algum erro nosso, esta disciplina está visando o nosso bem, o nosso proveito e amadurecimento.

Conclusão

O Salvador é “Senhor e Salvador”. Como esta verdade deveria causar efeito na nossa vida! Ele nos livrou do inferno pela Sua misericórdia, e a Sua graça não tem sido vã para conosco. Mas não temos direito algum de fazer o que bem entendermos da nossa vida. O que fazemos ou deixamos de fazer compete a Ele decidir.

Se o fato de sabermos que Cristo é nosso Salvador nos enche o coração de alegria e louvor, devemos, semelhantemente, louvar a Deus porque temos um Senhor. Se fôssemos deixados como donos de nós mesmos, certamente sofreríamos muitas ruínas. Mas Aquele que nos salvou, tão graciosamente, é o mesmo que nos preserva para Si, soberanamente. Que estas verdades elevem nossos corações e nos ajudem a apreciar mais a Sua Pessoa, não só como Salvador, mas como “Senhor e Salvador”!

Adriano J. Anthero – Nascido e criado em Queimados-RJ. Converteu-se aos 14 anos e, aos 22, foi recomendado para o serviço do Senhor em tempo integral. Aos 28 casou-se com Aline, companheira fiel no serviço espiritual, e também mãe dedicada de nossos dois filhos: Arthur e Hugo. Fazem cinco que moramos em Aguaí-SP, onde servimos ao Senhor junto à igreja local da região. Também procuramos contribuir escrevendo livros e artigos para a edificação do povo de Deus. Suas orações por nós e nosso serviço para o Senhor serão muito apreciadas.

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