União e Comunhão

Sou cem por cento a favor de Cristo, mas só cinquenta por cento a favor da Igreja – disse uma jovem universitária, quando lhe pediram uma opinião acerca do Cristianismo. Ela possuía um alto conceito de Cristo, mas não tão elevado em relação à Igreja. Quando perguntaram a Gandhi qual era, no seu entender, o maior inimigo de Cristo na Índia, ele respondeu: ” O Cristianismo”.

Este é o ponto de vista que o mundo tem em relação à Igreja e nós temos de perguntar-nos a nós mesmos se a visão que o mundo tem da Igreja contemporânea é correta, ou se, pelo contrário, não será demasiadamente exagerada. As pessoas do mundo veem uma Igreja que está dividida em várias denominações, cada qual reivindicando o privilégio de “possuir a verdade”. Num quadro de anúncios de uma Igreja em certa cidade, estava escrita a seguinte inscrição: “Esta é a única Igreja autorizada por Deus para representar Jesus Cristo no mundo”. Naquela mesma cidade podiam-se encontrar mais quatro grupos evangélicos, cada qual reivindicando-se representante de Jesus Cristo.

Na verdade, isto fica muito a dever à maravilhosa unidade de comunhão expressa na Igreja do primeiro século. A vinda do Espírito Santo sobre as vidas dos primeiros cristãos produziu um espírito de união e unidade que ultrapassou de longe a qualquer coisa jamais experimentada pelo povo de Deus nos dias do Velho Testamento. Leia os primeiros capítulos de Atos dos Apóstolos e verifique como o escritor enfatiza a unidade que existia no meio dos crentes.

Alguns amigos estarão agora perguntando: “Essa unidade é visível ou invisível?” A questão é válida. Alguns crentes enfatizam a invisibilidade da Igreja dos eleitos e afirmam que a unidade da Igreja só é possível neste sentido “invisível”. Outros creem que o ensino do Novo Testamento é que a Igreja deve, na medida do possível, refletir a união e unidade da Igreja Corpo de Cristo. Por Igreja estamos a referir-nos àqueles, e somente àqueles que estão na fé e, por isso, em união com Cristo. De acordo com o Novo Testamento, só quem está em Cristo é que está na Igreja que é o Seu corpo: “Pois todos nós fomos batizados em um Espírito, formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos nós temos bebido de um Espírito”.

Se aceitamos que estar em união com Cristo é estar dentro da Igreja, então aquilo que pensamos acerca da natureza da Igreja irá expressar a união que é desfrutada pelos crentes em Cristo. É possível enfatizarmos de tal maneira a natureza “invisível” da Igreja dos eleitos de Deus, que acabemos por tornar-nos completamente indiferentes em relação à unidade visível da Igreja local. Temos ouvido dizer mais de uma vez que “a unidade da Igreja local não é possível nem necessária, visto que a unidade de que o Novo Testamento fala é uma unidade invisível da Igreja universal; estamos todos unidos a Cristo em espírito”. Às vezes perguntamo-nos a nós mesmos se esta afirmação não é feita apenas como desculpa, numa tentativa de justificar a lamentável situação que hoje existe?

O Novo Testamento ensina indubitavelmente que a unidade espiritual deve ser visivelmente manifestada na Igreja local aqui na terra. De acordo com João 17 e Efésios 4:1-6, a unidade da Igreja tem uma manifestação visível. Marcellus Kik escreveu acerca de Jo 17:21: “Sem que haja uma união visível, como é que pode ter efeito o peso da petição de Cristo: “Que o mundo possa crer que Tu me enviaste?”.

Esta unidade da Igreja é manifestada em várias formas:

  • Primeiro, em vida – Jo 17.21, 23;
  • Segundo,em santidade – Jo 7.6,15,16;
  • Terceiro, em verdade – Jo 17.19;
  • Quarto, em amor – Jo 17.26.

Este escritor não tem por objetivo tratar aqui do grave problema do denominacionalismo, nem tampouco pregar qualquer forma de ecumenismo. Na realidade ele está profundamente preocupado com a falta de unidade nas Igrejas locais e com a falta de comunhão entre aquelas Igrejas locais que aderem aos mesmos princípios de ensino do Novo Testamento. Assistir a um Congresso ou Conferência uma vez por ano e dizer: “Todos somos um em Cristo Jesus” e depois ignorar outras assembleias durante as restantes cinquenta e uma semanas do ano é algo que deixa muito a desejar. É como um homem que se diz casado e em comunhão com sua esposa, mas que vive com ela apenas uma semana em cada cinquenta e duas.

A esta altura talvez seja o momento de nos interrogarmos: “Será que o grau de comunhão no meu grupo ou assembleia está a par daquela que era demonstrada na Igreja primitiva nos Atos dos Apóstolos? E, se não, por quê?” Uma das maiores necessidades da Igreja local contemporânea é a de recuperar, ou restaurar o espírito de união que existia entre os crentes na Igreja primitiva. Eles tinham uma palavra para definir isto: “KOINONIA”, que quer dizer comunhão. Infelizmente a palavra comunhão tem recebido hoje em dia um significado diferente daquele que era expresso no Novo Testamento.

Naqueles dias, significava um total compartilhamento de todas as coisas, uma abertura de coração, uma harmonia nos relacionamentos, um desejo pelo bem-estar da outra pessoa e, acima de tudo, o reconhecimento de que Jesus Cristo é o Cabeça e possui, em razão disso, o lugar de preeminência na assembleia. Hoje em dia a comunhão tem, à semelhança de tantos sistemas monetários, perdido o seu valor, ou “desvalorizado”, como costumamos dizer. Em algumas assembleias significa pouco mais que um passeio (excursão) da Igreja, um piquenique, ou uma reunião especial, onde são servidos chá e bolo. Tal como já foi dito no início deste artigo, estamos muito aquém daquela maravilhosa e unida comunhão expressa na Igreja do primeiro século.

Contudo, não é caso para desespero, nem será de nenhuma ajuda transmitir uma nota de pessimismo. Admitir as nossas fraquezas já é um grande passo em direção à correção e resolução dos problemas. É interessante olharmos mais uma vez para o registro da Igreja primitiva e verificarmos que mesmo naqueles dias havia alguns problemas que apresentavam perigo para a “KOINONIA”. Estes perigos que ameaçam a unidade da Igreja local ainda se encontram presentes conosco e tendem a destruir a comunhão a partir do seu próprio âmago, tal como fazem os parasitos que destroem uma peça de mobília, roendo a partir do interior.

Por exemplo: a comunhão que Cristo tinha com Seus discípulos foi perturbada pelo amor que Judas tinha ao dinheiro. A unidade dos discípulos primitivos ficou ameaçada quando Ananias e Safira cederam ao mesmo impulso. Semelhantemente, hoje, o materialismo e o amor às “coisas” são uma autêntica ameaça à unidade da Igreja local.

Naquele tempo houve, também, o problema das “murmurações” (At 6.1). Esta palavra significa, simplesmente, “crítica secreta”. Não há nada de errado com a crítica, desde que ela seja feita aberta e honestamente, e em amor. A crítica torna-se um perigo quando é feita em secreto, veladamente, não sendo trazida à luz. Uma certa assembleia local traz as seguintes palavras em uma de suas paredes: “A comunhão é baseada na confiança; a crítica secreta quebra essa confiança”. Devemos sempre aceitar aquela crítica que é edificante e construtiva. Se temos medo da crítica é porque estamos vivendo na defensiva, sob temor e, não, pela fé.

Mas a crítica que destrói é aquela que denuncia constantemente aquilo que os outros estão fazendo e não apresenta nenhuma sugestão para ajuda ou melhoramento. Recordemos a história relatada no Velho Testamento, em Números 12: Míriam e Arão murmuraram (criticaram) contra Moisés. Resultado: a obra do Senhor cessou. Míriam tornou-se leprosa.

Outro perigo que assolava a Igreja primitiva era o do preconceito, ou intolerância. Isto significa sustentar ideias preconcebidas que nos impedem de aceitar os outros porque eles não atuam da forma como nós atuamos, ou têm opiniões diferentes das nossas. Pedro regressava de uma visita evangelística à casa de Cornélio e quando chegou a Jerusalém foi ali recebido por alguns irmãos com uma certa dose de frieza (At 11:1-3). O Senhor Jesus aborrecia a intolerância e o preconceito. Leia Marcos 9.38-39. Devemos sempre manter as nossas próprias convicções, mas a intolerância e o preconceito surgem quando não nos contentamos em guardar as nossas convicções e recusamo-nos a escutar as opiniões de outros.

Temos liberdade para não concordarmos com eles, mas sempre em amor, e sem nos tornarmos desagradáveis.

Contudo, um outro perigo que ameaçava a comunhão da Igreja primitiva era a pregação do Evangelho sem o enchimento do Espírito. Quando Paulo chegou a Éfeso, encontrou doze homens que operavam sem o poder e a plenitude do Espírito Santo e não realizaram nada. Os outros doze, os apóstolos, estavam pondo o mundo de cabeça para baixo. Estavam cheios do Espírito Santo. Há hoje pessoas que se satisfazem com o conhecimento da doutrina, mas que não estão rendidas ao Espírito Santo. Não existe poder na sua pregação. Não havendo atuação do Espírito não há poder.

Ao tentarmos observar alguns dos perigos que ameaçavam a comunhão na Igreja primitiva e ver o seu paralelismo nos dias de hoje, não devemos esquecer outro ponto importante: a manutenção de opiniões fortes e divergentes, tão prejudicial naqueles dias quanto na atualidade: Paulo e Barnabé tiveram um profundo choque de opiniões em relação a João Marcos (At 15:36-41), de tal forma que tiveram de separar-se, cada um seguindo o seu próprio caminho. A comunhão profunda que existia entre os dois foi rompida. Quem estava certo? Quem estava errado? As nossas opiniões sobre este assunto podem também divergir.

Alguns dizem que Paulo tinha razão em não levar com ele João Marcos, mas ao mesmo tempo errado em não dar-lhe uma outra oportunidade. Poderia também ser dito que Barnabé tinha razão em interceder a favor de João Marcos, mas que estava errado em permitir que a recusa de Paulo lhe trouxesse amargura. Este problema ainda existe em nosso meio: homens espiritualmente fortes que divergem entre si e a nossa tendência de nos colocarmos ao lado de um ou de outro.

Qual deveria ser a nossa atitude quando confrontados com a situação de dois líderes que divergem? Em primeiro lugar, resolver não tomar a defesa de nenhum lado, de forma a agravar a situação; em segundo lugar, orar para que os homens envolvidos nesse caso recebam uma porção extra da graça do Senhor para que possam fazer tudo quanto está ao seu alcance para manter a unidade do Espírito, reconhecendo que esta unidade é de muito maior importância que as suas próprias opiniões acerca de coisas que normalmente são assuntos secundários.

Arnold Doolan – Movimento dos Irmãos.

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