O Véu – Exegese Bíblica

Não há assunto que tantas dores de cabeça tem dado aos estudiosos das Escrituras como este, ou seja, o uso do véu e, por conseguinte, o seu próprio “véu” quanto ao discernimento deste assunto. A razão é que se trata de um assunto que por várias vezes se apresenta escondido, e tem dividido alguns crentes sinceros no descobrir o valor que o véu tem! Ao menos apercebidos e esclarecidos leva-os mesmo a interpretações errôneas e deficientes.

Textos do Velho Testamento:

  • Gênesis 20:16; 24:65; 38:14 / Êxodo 26:31, 33, 35; 34:33-35; 40:3 / Números 4:5 / Cantares 4:1.3

Textos do Novo Testamento:

  • Mateus 27:51 / Marcos 15:38 / Lucas 23:45 / I Coríntios 11:5, 6, 10, 13 / II Coríntios 3:13-16 / Hebreus 6:19; 9:6; 10:20

As passagens que temos apresentado acima dão-nos alguma luz para explicar a finalidade do uso do véu no N.T pelas mulheres em culto cristão. Creio firmemente que a explicação encontra-se unicamente em I Coríntios 11:2-16. Contudo, a beleza deste véu é colorida por várias passagens que no Novo e Velho Testamento são apresentadas, dando-nos sombras, imagens ou mesmo raios luminosos para a sua compreensão.

Falta-me, antes de continuar, de apresentar em face aos meios recorridos para muitos intérpretes explicarem o texto e seu contexto, sendo por vezes, para desculpar algum pretexto. Ora por opiniões já formadas, ou por amizades que se elevam acima da verdade, e ainda por razões que os comprometem, recorrem inúmeras vezes a interpretações tão diversas que pergunto: onde se encontra a Bíblia? Nessas, contam-se as culturas, as tradições rituais, os princípios das diferentes épocas ou estações, entre outros fatores.

Deus não deixou a interpretação da Sua Palavra ao critério e gosto dos teólogos divididos pelas correntes escolares da matéria, mas só Aquele que A inspirou é capaz e eficientemente de dar a sua interpretação e explicação: O Espírito Santo. Se não entendermos as Escrituras tal e qual elas assim nos são reveladas, pomos em causa toda a sua veracidade, excetuando claro, as coisas que n’Elas estão ocultas, as quais são só da exclusividade Divina.

Caracterização e Explicação Detalhada

Nas Escrituras o véu vem sempre ligado a um contexto: ora de respeito, e de reverência, ou de direção, ou para esconder alguma vergonha, mas, sobretudo para se identificar com alguma glória ou com alguma autoridade. É particularmente sobre estes dois prismas de autoridade e glória que todo o assunto é desenvolvido e explicado na Primeira Carta de Paulo aos Coríntios.

Em Gênesis 24:65 o véu foi usado por Rebeca como sinal de reverência (I Pe 3:5-6), submissão, mas particularmente esconder a sua glória; a sua beleza feminina. Nesta perspectiva, é usado o véu em Cantares 4:1 e 3:6:7.

Em Êxodo 26:31, 33, 35; 40:3 / Números 4:5 o véu do tabernáculo era usado para esconder a glória de Deus, da qual estávamos destituídos desde Adão (Rm 3:23), e para a qual não tínhamos acesso, porque Cristo ainda não tinha vindo e nos remido.

Esse véu era um símbolo de Cristo (Hb 10:20) que foi rasgado na cruz do calvário (Mt 27:51) e agora através d’Ele temos acesso ao “Pai da Glória” e nos “regozijamos na esperança da Sua glória” (Rm 5:2-3) e (Hb 6:19). Em Êxodo 34:33-35 Moisés desce ao monte com a lei e o seu rosto reflete “parte da glória de Deus”. Então ele põe, para esconder essa glória, um véu, para que o povo não fosse ferido com o resplendor dessa glória que quase cegava. Esse véu escondia a glória de Deus. Isto indicava que pela Lei, que o véu aqui representava (Ef 2:14-16), o povo mal podia ver a glória de Deus e muito menos experimentá-la.

Em contraste com isso diz Paulo que agora com a graça “não somos como Moisés que punha o véu sobre a sua face, para que os filhos de Israel não olhassem firmemente para o fim daquilo que era e foi transitório” (II Cor 3:13-16), e segundo essa lição, Israel se endureceu e o véu está por levantar ainda, ou seja, eles agarrados à Lei jamais conseguiriam ver a glória de Deus pois a Lei era transitória, não ia permanecer: foi por Cristo abolida na cruz.

A glória de Deus é agora refletida por cada crente que sem este véu espiritual, a Lei, reflete pelo Espírito a imagem do Senhor, e na qual nos vamos aperfeiçoando.

Em I Coríntios 11:3-16 o assunto é explicado no verso 3:

  • Cristo é a cabeça de todo o varão;
  • O varão é a cabeça da mulher;
  • Deus a cabeça de Cristo.

Quero que o leitor saiba que o assunto aqui afirmado e posteriormente desenvolvido nada diz a respeito a uma relação de valores, ou separação de categorias e classes, mas a uma hierarquia disciplinar e de ordem. A cabeça não é superior aos pés, nem é mais que o corpo; tem sim uma função distinta mas é imprescindível do corpo. Deus não é a cabeça de Cristo por ser superior a Ele; Ele é Deus juntamente com o Pai e o Espírito Santo. Mas por uma questão de ministérios e de ordem é assim revelado. A cabeça sem o corpo nada seria, para nada valeria: não existiria.

No caso de varão, este não é cabeça da mulher por ser superior a ela, “pois o homem é nada sem a mulher e a mulher é nada sem o varão, porque como a mulher provém do varão, o varão provém da mulher: mas tudo vem de Deus” (I Cor 11:11-12). Ambos fazem parte de uma unidade eclesiástica, mas por uma questão e ordem e disciplina está assim revelado e é assim que deve ser respeitado e obedecido.

Se o véu se identifica e é usado para cobrir alguma glória ou alguma autoridade, a cabeça é essa glória, é essa autoridade.

Num culto cristão temos reunidas três cabeças: Deus, Cristo e o varão representativamente, e literalmente a mulher com “a sua própria cabeça”. Têm-se aí cabeças, temos então autoridades; Deus autoridade de Cristo, que é revelada por Cristo ao homem e no homem, e a autoridade do homem em relação à mulher. Se o homem quer revelar a autoridade de Cristo, não deve esconder essa autoridade, não deve cobrir a sua cabeça, porque a sua cabeça tipifica Cristo. Mas (5), o caso da mulher é diferente: se ela não cobrir a sua cabeça, que tipifica o varão, então fica a descoberto a autoridade do varão e, por conseguinte, duas autoridades estão em evidência: a de Cristo, na cabeça descoberta do varão, e a do varão na cabeça descoberta da mulher, as quais se opõem e se chocam.

Assim era Tiatira em Apocalipse 2:20-24, onde se revelava a autoridade humana, na qual foi repreendida severamente pelo Senhor. Não nos queiramos identificar com essa igreja reprovável; preocupemo-nos em revelar a autoridade de Cristo e de Deus.

Ora, a mulher ao orar ou a profetizar com a cabeça descoberta, está a revelar que o varão, sua cabeça típica, não está no culto sujeito a Cristo; a cabeça descoberta da mulher revela a autoridade do varão no culto, e essas autoridades se choca com a autoridade de Cristo, porque ou há de presidir a autoridade de Cristo ou a autoridade do varão. Por isso temos ensino para que a mulher cubra a sua cabeça, porque com essa atitude está tipicamente a cobrir a autoridade do varão, representada com a cabeça, e fá-lo com um véu típico também – uma cobertura.

Contudo a mulher no culto deve estar também sujeita ao varão (I Cor 14:34-35; I Tim 2:11-15), e não somente o varão sujeito ao Senhor. Estas devem estar caladas nas igrejas; não lhes é permitido falar; devem aprender em silêncio, com toda a sujeição. Não podem doutrinar nem usar de autoridade sobre o varão, mas permanecer em silêncio. Para que este ensino fosse perfeitamente cumprido, à mulher foi-lhe dado outro véu, agora não espiritual, não típico, não artificial mas natural, porque esta sujeição da mulher para com o varão também é natural.

Assim diz o versículo 15: “Porque o cabelo crescido lhe foi dado (à mulher) em lugar do véu”, isto é, “as mulheres devem ter sobre as suas cabeças sinal de poderio por causa dos anjos” (10); os anjos estão no culto aprendendo através da igreja as “multiformes e riquezas da sabedoria de Deus” (Ef 3:10), e a mulher deve-lhes revelar a lição da sujeição, que reflete um sentimento de vergonha e arrependimento do seu pecado quando no Éden não se submeteu a Adão, consultando-o antes de participar do fruto proibido (Gn 3).

Paulo expõe três razões para explicar este assunto, as quais são três leis:

  • O homem foi criado primeiro e depois a mulher. Esta é a lei natural (I Cor 11:8-9);
  • Adão não foi enganado, mas a mulher sendo enganada caiu em transgressão (Gn 3:16; I Tm 2:14);
  • Elas estejam sujeitas, como assim ordena a Lei (Lei Espiritual). Esta é a Lei Cerimonial e pode referir-se aos princípios do V.T (I Cor 14:34-35).

Com isto Paulo acha que a mulher precisa de outro véu, além do típico ou espiritual – o primeiro que cobria a autoridade do varão, de um outro que a cobrisse: cobrindo-se a si mesma, revelando a sua sujeição natural do varão. Para isso lhe foi dado também um véu natural – o cabelo, “porque o cabelo lhe foi dado em lugar do véu”, ou não nos ensina a natureza o mesmo?

Assim a Bíblia ensina que a mulher deve usar dois véus: um típico ou espiritual e um natural; um que revele a sujeição espiritual da autoridade do varão à autoridade de Cristo, e outro, mas agora natural, que revele a sujeição natural da mulher ao varão quando em reunião se juntam para cultuarem ao Senhor.

Mas este assunto do véu pode ser estudado sob outra perspectiva:

Além de o véu estar relacionado com a submissão à autoridade, também já nos referimos ao V.T o véu era usado para cobrir ou esconder glórias.

Em I Coríntios 11:2-16 é descrito o comportamento que o povo de Deus deve ter na assembleia, em virtude de, nela, se manifestar a glória de Deus. Na referida passagem Paulo descreve os desvios que se tinham registrado naquela igreja e que comprometiam a glória de Deus, uma vez que colidia com a mesma. Um dos desvios manifestos entre os crentes em Corinto residia na desordem lá existente entre irmãs, que não difere com a existente de hoje: umas usam cabelo curto, outras não usam véu, e o conflito prolonga-se não só entre a igreja e o Senhor, mas entre a própria igreja havia choque de opiniões, segundo o que o texto nos dá a entender.

A manifestação da glória de Deus no tabernáculo primeiramente, e no templo mais tarde, apresentava-se como uma sombra da realidade espiritual que ocorreu com a formação da igreja – O Corpo de Cristo. Agora de uma forma mais elevada e espiritual Deus quer revelar a sua glória na igreja. Ora, onde a glória de Deus está presente, nunca há, ou nunca deve haver lugar para a glória do homem. Foi por isso que, “quando a nuvem cobriu a tenda da congregação, e a glória de Deus encheu o tabernáculo” (Ex 40:34), Moisés não pôde entrar na tenda da congregação, “porquanto (…) a glória de Deus enchia o tabernáculo” (35). E é por isso também que agora, porque a glória do Senhor está presente na assembleia, não deve manifestar nele mais nenhuma glória.

Agora notemos que Paulo diz em I Coríntios 11:7: “A mulher é a glória do varão”. Se, portanto ela é uma glória, como pode estar na assembleia sem colidir com a glória de Deus que se encontra presente? Então Paulo afirma que “o cabelo crescido lhe foi dado em lugar do véu” (15). Isto resolve o problema, pois o seu cabelo comprido, que é um véu natural dado a ela por Deus, cobre a glória natural que ela é. Uma vez assim coberta a glória natural que ela é, não entra mais em conflito com a glória de Deus.

Pois bem, se é verdade que a glória que a mulher é, é coberta com o seu cabelo comprido, não é menos verdade que o seu cabelo comprido é, em si mesmo, uma glória, a sua própria glória. Paulo diz em I Coríntios 11:15: “ter a mulher cabelo comprido lhe é honroso”, ou seja, lhe é uma glória, como revela o original literalmente e como confirmam várias outras versões.

Assim, o que vemos nós? Vemos que num culto existem manifestas três glórias:

  • A glória de Deus, que é representada no homem: “O varão, pois, não deve cobrir a cabeça, porque é a imagem e a glória de Deus” (7);
  • Existe a glória do varão: “Mas a mulher é a glória do varão” (7);
  • E também a glória da mulher: “ter a mulher o cabelo crescido lhe é uma glória” (15).

Que fazer então?

O princípio é o mesmo que na autoridade: para que a glória de Deus e só ela seja manifestada num culto, a única solução é cobrir as glórias humanas. O varão não se deve cobrir porque é a imagem e a glória de Deus; mas, (5) no caso da mulher é diferente; ela deve cobrir-se porque é a imagem e a glória do homem; e para isso lhe foi dado um véu natural – o seu cabelo crescido. Mas, mesmo assim, esse cabelo crescido que como véu cobre a glória da mulher é em relação ao varão, para a mulher esse cabelo crescido é a sua própria glória.

Em virtude disto, é aqui que surge a necessidade e o motivo da mulher usar um segundo véu, agora este para cobrir o seu cabelo, ou seja, a sua glória.

Creio ser desnecessário repetir, mas por uma questão de segurança faço-o novamente: a presença da glória de Deus repudia qualquer outra manifestação de glória, pois está escrito: “A minha glória não a darei a outrem…”. e isto basta para compreendermos a necessidade que a mulher tem de usar um segundo véu para cobrir a sua glória: é porque a glória de Deus está presente. Este segundo véu não é natural, mas desta sorte é artificial, se assim nos é lícito de qualificar!

Resumindo: podemos dizer que para a glória que a mulher é (ela é a glória do varão [7] ), Deus deu-lhe o véu natural, o cabelo comprido (15); para a glória que ela tem (o seu cabelo crescido que lhe é uma glória [15] ), necessita de outro véu, o qual deve colocar sobre a sua própria glória.

Exame Exegético

Verso 4-5: “Desonra a sua própria cabeça”. No grego tem simplesmente “sua cabeça”. Não consinta “sua própria”, como se referindo à sua cabeça natural, mas o que ela representa, no caso do homem é Cristo (3), e no caso da mulher é o varão (3). Assim, não usando a mulher o seu véu, desonra pela sua não sujeição o varão, que é a sua cabeça; por sua vez o varão que ora ou fala com a sua cabeça coberta, desonra a Cristo – a sua Cabeça. Contudo, a mulher que desonra o varão pela sua não sujeição, e tendo este como cabeça a cristo, e sendo este a imagem e glória de Deus, a mulher, com tal atitude, está a desonrar indiretamente a Cristo, “A Cabeça do Corpo da Igreja” (Cl 1:18).

Verso 5: “… como rapada…”., ou seja, como não sujeita ao varão, visto que na época o cabelo curto era usado pelas prostitutas, mulheres infiéis a seus maridos. A mulher não usando o véu, revela (refletindo a igreja, o seu estado espiritual) a sua não sujeição a Cristo, o Sumo Noivo da sua Igreja. Não nos identifiquemos com a “Grande Babilônia”, também chamada “Grande Prostituta”, cujas características o Livro do Apocalipse fala: “Sai dela povo meu” (Ap 18:4). Aqui nada tem relacionado com o comprimento do cabelo; isto é importante. Paulo nada diz sobre o seu tamanho.

Embora alguns achem que o tal nunca deva ser cortado, sem ser dogmático acho que, o cabelo da mulher deve ser suficientemente grande para ser entendido e visto como um véu que cubra a sua própria cabeça. E como nada diz sobre o tamanho do cabelo, não podemos dizer, baseados neste versículo, que o cabelo comprido toma o lugar do véu artificial, ou, tendo o cabelo crescido não é preciso usar véu artificial, mas antes, tendo ou não tendo cabelo, nem importando como o tendo, o texto atesta a necessidade da mulher usar uma cobertura sobre a cabeça, porque não a tendo, e mesmo o cabelo comprido sendo, está a desonrar a sua cabeça, está a revelar não sujeição a Cristo: é como se a tivesse rapada – é uma vergonha.

Verso 15: “… O cabelo…”. No grego a ideia é de um cabelo tratado, adornado, crescido, como glória… “Véu…”., no grego significa cobertura, ou seja, o cabelo foi dado à mulher como um véu, como tendo a mesma função e a mesma utilidade. “… em lugar de…”. No grego a palavra é “Anti”. No N.T a palavra aparece 22 vezes e sempre com a ideia de, em troca de, pôr, em substituição de, em oposição a, em face de, e em algumas versões “como”.

Isto pode levar-nos a pensar que o que está atrás foi dito foi-o em vão, mas não, pelo contrário, vem confirmar as conclusões até aqui obtidas. Paulo acha por inspiração divina que a mulher deve usar dois véus. Já falamos dum primeiro, um artificial (3). Agora para que ela não use outro véu artificial, Deus deu à mulher o cabelo crescido o qual vai substituir (grego: opor-se a) o segundo véu artificial, passando a ser um artificial e outro natural.

[…]

Nota do Autor

Fico desapontado quando as irmãs vão à presença de Deus sem a cabeça coberta. Isto me faz pensar muitas coisas: por um lado a não sujeição que a mulher consciente ou inconscientemente revela para com Deus, e, por falta de ensino ou por não quererem aprender, estão a opor-se, a lutar contra a glória de Deus. Numa outra perspectiva vejo essa atitude, hoje genérica nas igrejas, um reflexo do calibre espiritual dessas assembleias. Oro a Deus, para que Ele alargue a nossa visão a respeito da sua glória e autoridade, a fim de que bastante, e duma forma mais eficiente, tais virtudes sejam uma realidade nas nossas reuniões: entre nós e com Ele.

Não fico menos desapontado e triste ao ver irmãs, mesmo na sua sinceridade, usando o véu para cobrir os seus cabelos curtos, aquelas que assim os têm! Pergunto-me: o que cobrem elas com o véu artificial, se não possuem glória (os cabelos compridos) para cobrir? Mostram vergonha, mas, mesmo tapando essa vergonha, descobrem a glória do homem!

Que o Senhor nos ajude a todos, para Lhe sermos “agradáveis em tudo, frutificando em toda a boa obra”, por sua maior glória e nossa santificação e benção, Amem!

Vítor Pereira do Paço

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