Provisão Para Tempos Perigosos

É da maior importância, para o servo do Senhor Jesus Cristo, em todos os tempos, ter um claro, profundo, permanente e influente sentido de sua posição, seu caminho, sua porção e sua perspectiva – um conhecimento divinamente formado do terreno, para o qual, ele foi chamado a ocupar – a esfera de ação que se abre diante dele; a provisão divina feita para seu consolo e estímulo, sua força e sua conduta; e as consoladoras esperanças que se lhe oferecem.

Existe um grande perigo de que sejamos tentados a cair numa região de mera teoria e especulação, de opinião e sentimentos, de dogmas e princípios. Frequentemente se perde a atração do primeiro amor, pelo contato com os homens e pelas coisas que podemos chamá-las:o mundo religioso“. O brilho encantador do cristianismo pessoal do começo é com frequência destruído pelo mau uso da máquina da religião, se nos é permitido usar tal termo.

No reino da natureza, sucede frequentemente, que alguma semente perdida, ao cair na terra lança suas raízes, e brota como uma terna planta. A mão do homem não teve nada a ver com ela. Deus a plantou, a regou, e há fez crescer. Ele designou seu lugar, lhe deu força e lhe cobriu com um formoso verdor. Logo o homem se entremeteu em sua solidão e a transplantou para seu próprio ambiente artificial, para que ali murchasse. Assim também acontece com frequência, infelizmente, com as plantas do reino espiritual de Deus. Elas são constantemente prejudicadas pela rude mão do homem. Elas estariam muito melhor, se fossem deixadas só ao manejo da mão que as plantou. Os jovens cristãos padecem com frequência, e intensamente, pelo fato de não serem entregues a exclusiva instrução do Espírito Santo, e ao exclusivo ensino das sagradas escrituras. É quase certo que a intromissão humana, impede o crescimento das plantas espirituais de Deus. Isto não significa de maneira nenhuma que Deus não possa usar homens como seus instrumentos para regar, cultivar, e cuidar de suas preciosas plantas, certamente, Ele pode e o faz; mas neste caso, é o cultivo e o cuidado de Deus, não o do homem. Isto faz toda a diferença. O cristão é a planta de Deus, a semente que o produziu é divina, foi conduzida e plantada pela própria mão de Deus, e deve ser permitida que esta mesma mão a forme.

Então, o que é verdadeiro acerca do crente individual é, igualmente, verdadeiro acerca da igreja como um todo.

Na primeira epístola a Timóteo, a igreja é contemplada em sua ordem e glória original, ali ela é vista como a “CASA DE DEUS – A IGREJA DO DEUS VIVO – COLUNA E BALUARTE DA VERDADE” (I Tm 3:15).Os que ostentam cargos, suas funções e suas responsabilidades são minuciosamente e formalmente descritos ali. O servo do Senhor Jesus é instruído acerca do modo em que deve se conduzir no meio de uma esfera tão bendita e tão digna. Tal é o caráter, tal o alcance e o objetivo da primeira epístola de Paulo a Timóteo.

Na segunda epístola temos algo totalmente diferente, a cena muda completamente. A casa, que na primeira epístola é contemplada em sua forma normal; na segunda é contemplada em sua ruína. A igreja como sistema estabelecido na terra, havia falhado inteiramente, como todos os outros sistemas. O homem falha em tudo. Ele falhou no meio da beleza e ordem do Paraíso; ele falhou na terra prometida, “a qual mana leite e mel, coroa de todas as terras” (Ez 20:6); ele falhou no meio dos raros privilégios da dispensação do Evangelho; ele fracassará no meio das centelhas luminosas da glória do milênio (Gn 3; Jz 2; At 20:29; III Jo 9; Ap 1, 2; 20:7-9).

A recordação disto nos ajudará a entender a segunda epístola a Timóteo.

Esta epístola pode ser chamada, mui apropriadamente, como uma provisão de Deus para os tempos perigosos. O apóstolo parece estar, e estava lamentando acerca das ruínas dessa estrutura que uma vez foi formosa; como o profeta que chorava, vendo “que estavam espalhadas as pedras do santuário pelas esquinas de todas as ruas” (Lm 4:1).

Ele recorda das lágrimas de seu amado Timóteo, e se alegra por ter pelo menos um lugar amistoso onde derramar suas mágoas.

Todos os que estavam na Ásia o haviam abandonado. Foi abandonado para comparecer só, diante do trono de julgamento de Cezar. Demas o desamparou. Alexandre, o latoeiro, lhe causou muitos males. Tudo ao redor dele, no que diz respeito aos homens, se apresentava triste e obscuro. Ele pede ao amado Timóteo que lhe traga a capa, os livros e os pergaminhos. Tudo é relacionado, minuciosamente. São previstos “tempos perigosos”, uma forma de piedade sem poder; o manto da profissão cristã estendido sobre as mais grosseiras abominações do coração humano; homens não capacitados para suportar a sã doutrina; mestres ajuntados segundo suas próprias cobiças, como que sentindo coceiras nos ouvidos, recusando ouvir a verdade, seus ouvidos precisam ser cativados por fábulas absurdas e sem base, inventadas pela mente humana.

Tais são as características da segunda epístola a Timóteo. Quem pode deixar de notá-las? Quem poderá deixar de ver que nossa porção tem sido posta justo em meio dos males e perigos aqui contemplados? E acaso não é bom ter uma percepção clara destas coisas? Porque desejar fechar nossos olhos quanto à verdade? Porque iríamos enganar-nos a nós mesmos com sonhos vãos de uma luz e prosperidade espiritual cada vez maior? Acaso não é melhor olhar de frente a verdadeira condição das coisas? Sem dúvida e, sobretudo, quando a própria epístola indica tão fielmente, os “tempos perigosos”, e revela plenamente a provisão divina para tal época. Porque devemos imaginar que o homem debaixo da dispensação cristã demonstraria ser um pouco melhor que o homem debaixo de todas as dispensações anteriores, ou debaixo da dispensação milenar que ainda está para vir? Acaso a mesma analogia, inclusive a ausência de provas direta e positiva, não nos leva a esperar o fracasso debaixo desta economia, assim como debaixo de todas as outras? Se nós, sem exceção, encontramos juízo ao final de todas as outras dispensações, porque devemos esperar algo diferente ao finalizar esta? Que o leitor destas notas pondere estas coisas, e então me acompanhe por uns momentos, enquanto busco pela graça de Deus descobrir algumas das provisões divinas para os “tempos perigosos”.

Meu intento não é expor esta mui comovedora e interessante epístola em detalhes; isto seria impossível em um artigo como o presente. Meramente assinalarei um ponto de cada um dos quatro capítulos em que a epístola tem sido dividida. Estes são: Primeiro, a “fé não fingida” (1:5). Em segundo lugar, o “firme fundamento” (2:19). Em terceiro lugar, “as sagradas escrituras” (3:15). Em quarto lugar, “a coroa de justiça” (4:8). O homem que conhece algo do poder destas coisas está divinamente preparado, para enfrentar “os tempos perigosos”.

I – Em primeiro lugar, acerca da fé não fingida (II Tm 1:5).

Essa possessão que não tem preço. O apóstolo diz: “Dou graças a Deus, a quem, desde os meus antepassados, sirvo com consciência pura, porque, sem cessar, me lembro de ti nas minhas orações, noite e dia. Lembrado das tuas lágrimas, estou ansioso por ver-te, para que eu transborde de alegria pela recordação que guardo de tua fé sem fingimento, a mesma que, primeiramente, habitou em tua avó Lóide e em tua mãe Eunice, e estou certo de que também, em ti” (I Tm 1:3-5).

Aqui temos, então, algo que está sobre e além das mais elevadas coisas eclesiástica – algo que cada um deve ter.

O que transcrevemos acima é a base sobre a qual Timóteo é apresentado à igreja, e de tal forma é esta base, que ele se manterá em pé, ainda que a igreja que está ao redor dele, esteja em ruínas. Esta fé não fingida conecta a alma imediatamente ao Senhor Jesus Cristo, no poder de um vínculo que deve por necessidade, estar sobre toda a associação eclesiástica, sem importar quão importante ela seja em seu devido lugar; um vínculo que durará quando todas as associações terrenas forem dissolvidas para sempre.

Nós não chegamos ao Senhor Jesus através da igreja; primeiro chegamos ao Senhor Jesus Cristo e depois a igreja. O Senhor Jesus é a nossa vida, e não a igreja. Não há dúvida que a comunhão na igreja é muito valiosa, entretanto, há algo acima dela e é desse algo que a fé não fingida toma posse. Timóteo tinha essa fé habitando nele, antes que ele entrasse na casa de Deus. Ele se relacionou, primeiro, com o Deus da casa, antes de sua associação pública, com a casa de Deus. É bom termos isto em mente.

Nós nunca devemos renunciar a intensa individualidade que caracteriza a fé não fingida. Devemos tê-la conosco através de todas as cenas e circunstâncias, vínculos e associações de nossa vida e serviços cristãos.

Não devemos andar, meramente, na posição da igreja, ou edificar sobre a máquina religiosa, ou estar sujeitos por uma rotina de dever, ou agarrar-nos aos apoios sem valor da simpatia ou predileção sectária.Cultivemos os frescos afetos, vívidos e poderosos que foram criados em nossos corações, quando no princípio conhecemos ao Senhor. Permitamos que o formoso vigor de nosso tempo primaveral seja seguido, não pela aridez e esterilidade, senão por esses cachos maduros que surgem da relação correta com a raiz.

Infelizmente, e repetidamente, não é isto o que acontece sempre, e sim o contrário. Demasiado e com frequência o jovem cristão de coração sincero, honesto e zeloso, se perde na associação partidária, sem nenhuma percepção, em uma seita, ou se torna um defensor intolerante de alguma opinião em particular. A frescura, suavidade, simplicidade, ternura, e o afeto honesto de nossos dias de juventude, raramente se mantém nas fases avançadas da vigorosa masculinidade e da madura velhice.

Com muita frequência, encontramos uma profundidade de tom, uma riqueza de experiência, uma elevação moral forte, nas fases prematuras da vida cristã, que rapidamente dão lugar a um frio formalismo, baseado em nossas próprias formas pessoais de ser, ou uma mera energia em defesa de algum sistema estéril de teologia. Quão raramente se cumpre essa palavra do Salmista que diz: “Na velhice ainda darão frutos, serão cheios de seiva e de verdor” (Sl 92:14).

A verdade é que todos querem cultivar mais diligentemente, uma fé não fingida; queremos entrar com mais vigor espiritual no poder do vínculo que nos liga, individualmente, ao Senhor Jesus Cristo, e, isto nos converteria em “vigorosos e verdes”, inclusive na velhice. “O justo florescerá como a palmeira, crescerá como o cedro no Líbano. Plantados na Casa do SENHOR, florescerão nos átrios do nosso Deus” (Sl 92:12-13). Mas, infelizmente, nós sofremos, consideravelmente, permitindo que o que se denomina relação cristã (tratos, relações de amizades, ou conversas entre crentes ou igrejas), interfira em nossa relação e comunhão pessoal com nosso Senhor Jesus Cristo.

Somos demasiado propensos a substituir a relação com Deus pela relação com os homens (para seguir nos passos de nosso companheiro, em lugar de seguir os passos do Senhor Jesus Cristo), somos propensos a dar uma olhadela ao redor de nós buscando simpatia, apoio, e estímulo, em lugar de por nossos olhos nas coisas que são lá de cima.

Estes não são os frutos da “fé não fingida”, pelo contrário, a fé não fingida é tão florescente e vigorosa no meio da solidão do deserto, como no seio da igreja. Seu interesse imediato e absorvente está no próprio Deus. “Permaneceu firme como quem vê aquele que é invisível” (Hb 11:27).

Esta fé fixa seu olhar nas coisas que não se veem e que são eternas (II Cor 4:18); “penetra além do véu” (Hb 6:19); vive no meio das realidades inadvertidas de um mundo eterno, dirigindo sua alma aos pés do Senhor Jesus Cristo, ao lugar onde alcança um pleno e total perdão de todos os seus pecados, através de sangue precioso; também é conduzido majestosamente através de todos os caminhos tortuosos e labirintos da vida no deserto, e lhe é permitido banhar-se nos brilhantes esplendores da glória do milênio.

O primeiro elemento precioso da provisão divina para os “tempos perigosos” é a fé não fingida. Ninguém pode seguir adiante sem ela, seja em tempos de paz ou em tempos perigosos, em tempos fáceis ou difíceis, em terrenos ásperos ou planos, seja no escuro ou na plena luz. Se um homem é destituído desta fé, profundamente implantada e diligentemente cultivada em sua alma, cedo ou tarde cairá. Ele pode ser instado durante um tempo, pelos impulsos das circunstâncias que o rodeiam e suas influências; pode ser sustentado e suportado por seus correligionários; pode seguir flutuando sobre a corrente da profissão religiosa, etc. Se ele não é possuidor da “fé não fingida”, com toda a segurança, está seguindo uma fórmula vã, e rapidamente, chegará o tempo quando tudo haverá terminado para sempre, para ele.Os “tempos perigosos” cedo chegarão ao seu ponto mais alto, e então virá o momento horrível do juízo, do qual ninguém pode escapar, exceto os felizes possuidores da “Fé não fingida”. Que Deus permita que o leitor seja um destes! Se assim for, tudo estará eternamente seguro.

II – Devemos considerar agora o segundo ponto, ou seja: “O firme fundamento”.

“Entretanto, o firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo: O Senhor conhece os que lhe pertencem. E mais: Aparte-se da injustiça todo aquele que professa o nome do Senhor” (II Tm 2:19).Em meio de todas as dificuldades que se apresentam como, contendas de palavras, palavras vãs, falatórios inúteis e profanos, – que foram os erros de Hermineu e Fileto – em meio de todos estes rasgos dos “tempos perigosos”, quão importante e necessário é recorrer ao firme fundamento de Deus. A alma que é edificada sobre este fundamento, na energia divina, da “fé não fingida”, está capacitada para resistir à maré do mar que se eleva rapidamente, está divinamente equipada para enfrentar os tempos mais atrozes.

Há um fino vínculo moral entre a “fé não fingida” no coração do homem, e o firme fundamento posto pela mão de Deus. Tudo pode arruinar; a igreja pode virar pedaços, e todos os que amam a igreja podem assentar-se e chorar suas ruínas; mas se ali for erguido este firme fundamento, posto pela própria mão de Deus, contra a qual, a crescente maré do erro e do mal podem arremeter-se com toda a sua fúria, sem que haja nenhum efeito, salvo para demonstrar a estabilidade eterna dessa rocha e de todos os que são edificados sobre ela. “O Senhor conhece os que lhe pertencem” (II Tm 2:19).

Há abundância de profissão falsa, mas os olhos do Senhor repousam sobre todos aqueles que lhe pertencem. Nenhum deles é e nunca será esquecido por Ele; seus nomes estão escritos em seu coração; eles são tão preciosos para Ele, como indica o preço que ele pagou por eles e esse preço não é nada mais nem menos que “O sangue precioso de seu próprio Filho Amado”. Nenhum mal lhes poderá acontecer; nenhuma arma forjada contra eles poderá ter êxito. “O Deus Eterno é a tua habitação e, por baixo de ti, estende os braços eternos” (Dt 33:27). Que rica e ampla provisão para os “tempos perigosos!” Porque devemos temer? Tendo a “fé não fingida” em nosso interior, e estando nossos pés firmes sobre o “fundamento de Deus” é nosso feliz privilégio prosseguir, com corações tranquilos, nosso caminho adiante, na convicção que tudo está e estará bem.

Se há dado bastante ênfase ao fato que o fundamento de Deus tem dois lados: Um que leva a inscrição, “O Senhor conhece os que lhe pertencem” e o outro “aparte-se da injustiça todo àquele que professa o nome de Senhor”.

O primeiro tem o sentido de outorgar paz, o último é prático. Ainda que o controle e a confusão sejam maiores que nunca, ainda que a tormenta ruja e as orlas se levantem, ainda que a escuridão se faça mais densa, ainda que os poderes da terra e do inferno se confundem nada pode mudar estar preciosa verdade: “O Senhor conhece os que lhe pertencem”. Ele os limpou para Ele mesmo. A certeza disto é o fundamento para manter o coração no mais absoluto repouso, ainda que os tempos não hajam sido nunca tão perigosos como estes.

Mas, nunca esqueçamos que todo aquele que “invoca o nome do Senhor” é totalmente responsável em obedecer este mandamento: “Aparte-se da injustiça”, aonde quer que se encontre. Isto se aplica a todo o verdadeiro cristão. No momento que vejo qualquer coisa que possa ser descrita como “injustiça, iniquidade”, seja o que for, ou esteja onde esteja, eu sou chamado a “apartar-me” disto. Não devo esperar que outros a vejam comigo, já que a um pode parecer que é “iniquidade”, enquanto que a outro, não lhe parece que seja em absoluto, portanto, isto é um assunto pessoal. “Todo aquele” é uma linguagem usada nesta epístola e, é muito pessoal, muito forte, e muito intensa. “Se alguém a si mesmo se purificar destes erros” (2:21); “Foge, outrossim, das paixões da mocidade” (2:22); “Foge também destes” (3:5); “Permanece naquilo que aprendeste” (3:14); “Conjuro-te, perante Deus” (4:1); “Tu, porém, sê sóbrio em todas as coisas, suporta as aflições” (4:5); “Tu, guarda-te também dele” (4:15). Estas são palavras solenes, sinceras e de peso; palavras que demonstram com muita clareza, que nos encontramos em um tempo, no qual, não devemos apoiar nos braços do “irmão”, ou contemplar o semblante de nosso “companheiro”.

Devemos, sim, neste tempo, ser sustentado pela energia da “fé não fingida”, e pela nossa relação pessoal com o “firme fundamento”. Assim seremos capazes, ainda que outros façam e pensem o que queiram, de apartar-nos da injustiça; de fugir das paixões da mocidade; de evitar os que abraçam uma forma de piedade, sem poder, aonde quer que nos encontremos e de guardar-nos de todo o Alexandre Latoeiro (4:14).

Se permitirmos que nossos pés sejam movidos da rocha, se nos rendermos aos impulsos das circunstâncias e influências que nos rodeiam, nunca poderemos combater de frente e com êxito, contra todas as formas especiais do mal e do erro, nestes “tempos perigosos”.Supomos que nunca haveria um Neemias, sem um Sambalá; ou um Esdras, sem um Reum; ou um Paulo, sem um Alexandre.

III – Isto nos introduz, naturalmente, ao nosso terceiro ponto, a saber: As sagradas escrituras (3:15), essa preciosa porção de todo homem de Deus.

“Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste e que, desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para repreensão, para correção, para educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado par toda boa obra (II Tm 3:14-17)”.

Temos aqui, então uma rica provisão para os “tempos perigosos”. Um conhecimento completo dele, de quem temos aprendido; um conhecimento exato, pessoal e experimental das sagradas escrituras, essa única fonte de autoridade divina, essa fonte imutável de sabedoria celestial que, inclusive, um menino pode possuir, e sem a qual um sábio erra sem dúvida.

Se um homem não pode expor todos os seus pensamentos, todas as suas convicções, todos os seus princípios, e a Deus como sendo a fonte de vida destas coisas, ao Senhor Jesus como centro de vida delas, e as sagradas escrituras como a autoridade divina para elas; ele nunca poderá avançar através dos “tempos perigosos”.

Uma fé de segunda mão nunca bastará. Devemos ter a verdade diretamente de Deus, através da provisão divina, pela autoridade das sagradas escrituras. Deus pode usar um homem para mostrar-me certas coisas na palavra, mas eu não as recebi do homem e sim de Deus. Ele foi apenas um instrumento nas mãos de Deus, para conduzir-me ao conhecimento que Deus quis revelar-me.

“Sabendo de quem o aprendeste”; e quando este é o caso, eu sou capaz, por meio da graça, de seguir através da mais densa escuridão, e através de todos os caminhos tortuosos do deserto deste mundo. A lâmpada celestial de inspiração emite uma luz tão clara, tão plena, tão estável, que seu resplendor pode ser visto com mais clareza ainda, através da escuridão que nos cerca.

Não abandona o homem de Deus em situações que necessite beber dos poços lamacentos, que fluem ao longo do leito da tradição humana; mas de posse do copo da “fé não fingida”, ele se senta ao lado da fonte límpida e que sempre flui das “sagradas escrituras”, para beber ali de suas águas refrescantes, para a plena satisfação de sua alma sedenta.

É digno de nota fazer menção disto: ainda que o apóstolo inspirado estivesse totalmente consciente, ao escrever sua primeira epístola, da fé não fingida de Timóteo, e do seu conhecimento desde a infância, das sagradas escrituras, todavia, ele não menciona isto até que, na segunda epístola, contemple os traços espantosos dos “tempos perigosos”.

A razão é simples. É exatamente estando no meio dos perigos dos dias anteriores, que podemos ver a mais urgente necessidade da “fé não fingida”, e das “sagradas escrituras”; não podemos continuar sem elas. Quando tudo ao nosso redor é novo e vigoroso, quando todos avançam como por um impulso comum de genuína devoção, quando cada coração está pleno até transbordar, resultado de profunda devoção e honestidade a pessoa e a causa do Senhor Jesus, quando cada rosto brilha com o gozo celestial, então, verdadeiramente, e comparativamente, é fácil caminhar.

Mas as condições das coisas como são vista em segundo Timóteo, é exatamente o contrário de tudo isto. E tal é esta condição que a menos que alguém esteja caminhando estreitamente com Deus, no exercício habitual da “fé não fingida”, na confirmação permanente do vínculo que o relaciona, indissoluvelmente, com o “firme fundamento de Deus”, e no conhecimento claro, inquestionável, exato das “sagradas escrituras”, e se não for assim, certamente, haverá de naufragar. Esta é uma consideração profundamente solene, digna de toda piedosa atenção do leitor.

Chegou o tempo, na verdade, em que cada um deve seguir ao Senhor, segundo sua medida de conhecimento dele. Ressurreto Ele disse a Pedro: “quanto a ti, segue-me” (Jo 21:22). Estas palavras penetram nos ouvidos com peculiar poder, quando alguém procura fazer seu caminho no meio das ruínas de todas as coisas eclesiásticas.

Mas, e que eu não seja interpretado de modo incorreto, não é que desejo diminuir ao grau mínimo o valor da comunhão da igreja, ou da instituição divina da igreja, e de todos os privilégios e responsabilidades que a envolve. Isto está longe dos meus pensamentos, entretanto, eu creio plenamente, que os cristãos são chamados a buscar a manutenção dos elevados princípios de comunhão, e ainda, se nos dá a garantia, por meio da epístola que agora está aberta diante de nós, a esperar que, em tempos mais obscuros, aquele que “se purifica destes erros”, também possa seguir “a justiça, a fé, o amor, a paz, com os que de coração puro invocam o Senhor” (II Tm 2:21-22).

Tudo isto é muito claro, e tem seu devido valor e lugar, mas isto não interfere de maneira nenhuma, com o fato de que cada um é responsável em seguir o caminho de santa independência, sem olhar o semblante, a simpatia, o apoio, ou a companhia de seu irmão na fé. É muito verdadeiro, que nós devemos ser imensamente agradecidos pela comunhão fraternal, quando podemos desfrutá-la no verdadeiro terreno da presença de Deus. Não existe nenhuma palavra que possa descrever o valor de uma comunhão assim, e precisamos conhecer e apreciar mais dela! E o Senhor a aumentará para nós até chegarmos a ser muitos rebanhos, entretanto, nunca nos rebaixemos até ao ponto de tentar comprar a comunhão, pagando o pesado preço do abandonar tudo o que é “verdadeiro, respeitável, justo, puro, amável, de boa fama” (Fp 4:8).

Que o nome do Senhor Jesus seja mais precioso aos nossos corações que tudo o mais, e que nossa feliz porção nesta terra seja com todos aqueles que amam, de verdade, seu Santo Nome, assim como será por toda a eternidade nos lugares celestiais, lugar de luz e de pureza imarcescível.

E agora, uma palavra final acerca da “coroa da Justiça”.

“Quanto a mim, estou sendo já oferecido por libação, e o tempo da minha partida é chegado. Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda” (II Tm 4:6-8).

Aqui o vulnerável peregrino toma sua posição no cume do Pisga espiritual, e olhando para o Senhor Jesus, Autor e Consumador de nossa fé, contempla destemidamente as brilhantes planícies da glória. Ele vê a coroa de justiça que resplandece na mão do Mestre; examina o caminho em que havia transitado, e o campo de batalha onde havia lutado; ele está de pé nos confins da terra, e justo, em meio das ruínas dessa igreja cuja ascensão e progresso ele havia visto com tão intensa solicitude, e pensando em sua decadência e queda, ele havia vertido recentemente, decepcionado, lágrimas. Ele fixa seus olhos na direção da imortalidade, que nenhum poder do inimigo pode impedir que seja alcançado em triunfo; e ainda que tivesse que alcançar essa meta por meio de um ato de César, ou por outro meio qualquer, isto não tinha nenhuma importância, para quem podia dizer: “Eu já estou pronto para ser crucificado” (II Tm 4:6).

Que verdadeira submissão! Que grandeza moral! Quão nobre devoção temos aqui! E, entretanto, não havia nada de ascético neste servo incomparável. Ainda que seus olhos fossem cheios da visão da coroa de justiça, ainda que ele estivesse preparado como um conquistador para subir ao pódio da vitória; no entanto, ele se sente perfeitamente em condições para dar minuciosas instruções acerca da sua capa, seus livros e, especialmente, os pergaminhos (4:13).

Isto é divinamente perfeito. Nos ensina que quanto mais vividamente entremos na glória do céu, mais fielmente cumpriremos com os deveres da terra; Quanto mais conscientes estivermos da proximidade da eternidade, colocaremos mais efetivamente em ordem as coisas deste tempo.

Tal é, então, amado leitor, a ampla provisão feita, pela graça de Deus, para os “tempos perigosos” através do que você e eu estivermos passando agora. A “fé não fingida”, “o firme fundamento”, “as sagradas escrituras”, e a “coroa de justiça”.

Que o Espírito Santo possa conduzir-nos a um conhecimento mais profundo da importância e valor destas coisas!

Que amemos a vinda do Senhor Jesus, e esperemos fervorosamente essa manhã sem nuvens, quando o Justo Juiz, porá um diadema de glória sobre a fronte de cada um, que realmente ama a sua vinda.

Charles Henry Mackintosh

Leitura e Impressão