Jacó Encontra Com Deus

A vida de Jacó é cheia de instruções para nós. Apesar de Abraão ser mais falado e conhecido, Gênesis realmente ocupa mais espaço com a narrativa de Jacó e sua família do que com Abraão ou Isaque (a enciclopédia ISBE afirma que “Jacó é mencionado com mais frequência do que qualquer outro na história sagrada”).

Comparando a vida dos três patriarcas, veremos que Jacó foi o mais humano deles, aquele com o qual mais facilmente nos identificamos. Abraão é conhecido como “o pai da fé”; Isaque foi outro gigante, apesar de discreto (a sua submissão voluntária à morte em Gênesis 22 é impressionante); quanto à vida de Jacó, porém, Deus quis nos revelar mais falhas e tropeços do que acertos.

Ele se parece mais conosco. Podemos desejar ter a fé de Abraão, ou a comunhão e submissão de Isaque — confessamos, porém, que somos inconstantes como Jacó e Israel.

Três Lugares

Há três lugares onde Jacó teve comunhão com Deus duma forma mais intensa: Betel (Gn 28), Peniel (Gn 32) e Berseba (Gn 46), nesta ordem. Estes três acontecimentos podem ser considerados juntos porque interromperam as três grandes viagens da vida de Jacó:

a) Sua primeira viagem mencionada na Bíblia foi da casa de Isaque até a casa de Labão, fugindo de Esaú.

b) Vinte anos depois ele voltou de Harã para Hebrom, fugindo de Labão.

c) Trinta e três anos depois, fugindo da fome em Hebrom, ele viajou de Hebrom para Gósen, no Egito (sua última viagem).

Todas essas viagens foram viagens necessárias e “estressantes” — e em todas elas, o Senhor veio ao encontro de Jacó (a iniciativa foi sempre do Senhor). Todos esses três encontros foram à noite — todos resultaram em bênção e ânimo para Jacó.

Como é animador ver este cuidado do Senhor com Jacó, e lembrar da afirmação preciosa do Salmo 34:

“Os justos clamam, e o Senhor os ouve, e os livra de todas as suas angústias. Perto está o Senhor dos que têm o coração quebrantado, e salva os contritos de espírito. Muitas são as aflições do justo, mas o Senhor o livra de todas.” (Sl 34:17-19)

Jacó enfrentou situações de intensa preocupação e medo — mas o Senhor aproximou-Se dele para confortá-lo.

Você está abatido e desanimado? Está apreensivo ou assustado quanto ao futuro? Você está passando um período de “noite” na sua vida espiritual? Procure ouvir a voz do Senhor na Sua Palavra. Aproveite o livre acesso que temos ao trono da graça nesta dispensação (privilégio que Jacó não teve), e fale com Ele em oração. A qualquer hora do dia ou da noite, Ele está pronto a te ouvir e atender!

Quando você enfrenta emoções que são fortes demais para você, esteja atento às manifestações do Deus de Abraão, Isaque e Jacó. Serão ocasiões inesquecíveis na sua vida!

Jacó e Betel

Pensamos, em termos gerais, sobre três lugares onde Jacó teve comunhão com Deus. O primeiro deles foi chamado Betel.

Naquela ocasião, Jacó não era mais um moço, mas sim um senhor com mais de setenta anos de idade (provavelmente perto de setenta e sete!). “Jurado de morte” por Esaú, ele estava fugindo para salvar a sua vida.

Além disso, ele ia para Harã com a missão de encontrar uma esposa. Não é difícil imaginar como estaria o coração de Jacó naquela noite ao chegar a Betel. Após viajar mais de 60 km desde Berseba, quantas dúvidas e incertezas o atormentavam ao deitar-se para dormir naquela noite!

E o Senhor então Se revelou a ele. No seu sonho Jacó viu “uma escada posta na Terra cujo topo tocava os Céus; e eis que os anjos de Deus subiam e desciam por ela; e eis que o Senhor estava em cima dela”.

Certamente há coisas profundas nesta visão, mas veja apenas uma lição preciosa: Deus revelou a Jacó que o Criador interessa-se pelos assuntos das Suas criaturas, e envolve-se neles. O Céu não é visto aqui como a habitação inacessível de Deus, mas como o lugar de onde Deus controla os negócios dos homens aqui na Terra.

A escada prefigura o Senhor Jesus, conforme aprendemos de João 2:51. O abismo criado pelo pecado foi transposto pelo Senhor por meio do Seu sacrifício, abrindo novamente o caminho aos Céus. Deus interfere nos negócios humanos, e envia Seus anjos aqui na Terra para ministrar “a favor daqueles que hão de herdar a salvação” (Hb 2:14).

Como deve ter sido animador para Jacó ouvir as preciosas promessas que Deus lhe fez em Betel! Vendo a aflição e angústia do Seu servo, Deus o confortou.

Nós também precisamos ter esta visão do Senhor. Precisamos entender que nada acontece aqui na Terra sem a Sua permissão, e que nada (jamais!) foge do Seu controle. Precisamos entender que Deus envia Seus anjos para servirem a nosso favor enquanto atravessamos este deserto. Precisamos entender que o Senhor está conosco, e não nos deixará até que tenha nos levado seguros ao Céu (veja Gn 28:15).

“Me toma nos braços, me cerca de amor,
Me leva seguro ao fim;
Ampara, protege, e afasta o temor,
E nunca desiste de mim!”

Jaco e Peniel (a)

Peniel (Gn 32:22-32) é um lugar único na vida de Jacó. Nos outros dois lugares que estamos considerando (Betel e Berseba), o Senhor encontrou com Jacó para animá-lo, mas em Peniel foi para quebrá-lo. Naquelas outras duas ocasiões Jacó estava no meio de viagens feitas por iniciativa de outros (respectivamente, seus pais e José), mas em Peniel ele estava no meio de uma viagem feita por ordem direta do Senhor (31:3).

Este é o lugar central na vida de Jacó, e Deus nos mostra isso admiravelmente na Sua Palavra. Colocando numa lista todos os lugares pelos quais Jacó passou (mencionados na Bíblia), veremos que Peniel está exatamente no meio. Certamente ele passou por outros lugares, mas Deus propositadamente escolheu mencionar dez lugares por onde Jacó passou antes de Peniel, e outros dez por onde ele passou depois de Peniel, para reforçar e importância deste lugar na vida de Jacó.

A experiência de Peniel foi impressionante e misteriosa. Muitos dos seus detalhes são ainda obscuros para mim, mas as lições principais são preciosas. A chave para entender este acontecimento é lembrar que trata-se de um encontro de Deus com Jacó, e não de Jacó com Deus. Quero dizer, em Peniel não foi Jacó que lutou com Deus porque queria algo de Deus, mas o Senhor que lutou com Jacó porque queria mudá-lo. A experiência de Jacó não ilustra a nossa perseverança em oração (é uma aplicação válida, mas não a interpretação do trecho), mas ilustra o interesse do Senhor em “quebrar” e mudar aqueles servos que estão prontos a servi-Lo.

Jacó queria servir a Deus. Chamado para voltar para a terra prometida, ele obedeceu, apesar do seu medo e angústia (32:7, 11). O Senhor o chamou, e ele estava pronto a obedecer — mas antes o Senhor precisava mudar algumas coisas em Jacó.

O Senhor lutou com ele até quase o romper do dia. Quanta perplexidade deve ter surgido no coração de Jacó! “Quem é que está lutando comigo? Será um ladrão? Um enviado de Esaú? E o que ele quer comigo?” Lutando pela sua vida, sem saber direito por que, Jacó de repente entendeu tudo. O seu Oponente tocou na juntura da sua coxa, e instantaneamente Jacó estava derrotado.

Naquele instante Jacó percebeu que estava lutando com Deus, e não com um mero homem. E então ele começou a clamar pela bênção.

Deus estava disposto a abençoar Jacó, mas antes a lição precisava ser completada. “Qual é o teu nome?” Eu imagino que, ao ouvir estas palavras, Jacó se lembraria, envergonhado, das mentiras que provocaram a sua fuga para Harã, e o temor que ainda naquele dia, vinte anos depois, ele sentia de Esaú. Uma vez (quanto tempo atrás!) seu pai, cego, lhe perguntara: “Quem és tu, meu filho?” E Jacó havia mentido descaradamente: “Eu sou Esaú, teu primogênito”. Isaque ainda hesitou: “És tu meu filho Esaú mesmo?” E a mentira foi repetida: “Eu sou”.

“Qual é o teu nome?”, o Senhor lhe perguntou agora. Desta vez ele confessa: “Jacó — o trapaceiro” (esse é o significado do seu nome). Ao que Deus lhe responde: “Não te chamarás mais Jacó, mas Israel; pois foste um príncipe com Deus e com os homens, e prevaleceste”. Não mais um enganador astuto (o significado de “Jacó”), mas agora um príncipe com Deus (o significado de “Israel”).

E só depois disto é que Deus o abençoou — a primeira vez que lemos de Jacó sendo abençoado por Deus.

A lição que o Senhor queria ensinar a Jacó é que ele deveria confiar no Senhor, e não em si mesmo. Deus lhe mostrou, em Peniel, toda a fraqueza de Jacó e toda a força do Senhor, e mostrou que Jacó seria agora um homem diferente — não mais Jacó, mas Israel.

A lição para nós é simples mas profunda. Se eu quero ser usado por Deus, preciso entender que eu sou fraco, mas Ele é forte. Preciso entender que Deus pode me dar, gratuitamente, tudo aquilo que eu nunca conseguiria conquistar, mesmo que usasse de mentiras e artimanhas. Enquanto Deus não quebrar o meu orgulho e me levar a confiar somente nEle, meu serviço para Ele será muito limitado e imperfeito.

Peniel talvez não seja o lugar mais agradável na experiência do salvo — mas, depois do Calvário, não sei se há lugar mais importante!

Que possamos aprender a dizer: “Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte” (II Co 12:10).

Jacó e Peniel (b)

Pensamos sobre a experiência de Jacó com Deus em Peniel — considere resumidamente suas consequências.

“E saiu-lhe o Sol, quando passou a Peniel”. Esta expressão é única na Bíblia. Muitas vezes lemos do Sol “saindo” (literalmente, “nascendo”), mas nunca acrescido do pronome pessoal, como aqui. O Sol saiu para Jacó quando ele atravessou Peniel — não porque ele fosse o centro do Universo; não porque nasceu só para ele; mas para ilustrar que um novo dia começava na vida deste servo de Deus.

“… e manquejava da sua coxa.” Um novo dia, e um dia diferente. Quando sua família o viu voltando ao arraial de manhã, certamente perceberam, de longe, que ele manquejava. Seu andar era diferente, e era-lhe impossível esconder isso.

Quando eu e você passarmos por Peniel, seremos pessoas diferentes. Quando Deus nos quebrar, e aprendermos a confiar totalmente nEle, seremos diferentes. Começará um novo dia para nós.

Não que iremos publicar essa mudança. Repare que Jacó não levantou nenhuma coluna em Peniel, apesar da vida dele em Gênesis ser caracterizada por colunas. E por quê? Talvez por duas razões: primeiro, porque ele não precisava (era impossível para Jacó esquecer de Peniel); segundo, porque ele não queria (Peniel era sagrado demais para ser profanado por uma coluna).

A relutância de Paulo em falar da sua experiência com Deus (II Cor 12:1-11), o silêncio de Pedro quanto ao encontro pessoal que teve com o Senhor, apesar de falar da Transfiguração em suas epístolas (Lc 24:24; II Pe 1:17-18), ilustram a mesma verdade. Há experiências tão gloriosas que precisam ser proclamadas (como a Transfiguração), mas o cristão maduro teve momentos com Deus que são íntimos demais, e sagrados demais, para serem comentados publicamente.

Portanto, Peniel é o ponto central na vida de Jacó, o dia quando ele se tornou Israel — o dia quando Deus lhe ensinou que sua única chance de vitória seria confiar plenamente em Deus.

Que nós também possamos nos submeter ao Senhor hoje, para que possamos sair destas circunstâncias presentes transformados pelo poder de Deus, andando com Ele. Permita Deus que o Sol possa nascer para mim e você muito em breve — mesmo se estivermos manquejando, certamente veremos que as experiências pelas quais passamos terão sido proveitosas. E poderemos dizer, com Jó: “Eu Te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos Te veem” (Jó 42:5).

Jacó e Berseba

Vamos finalizar esta breve série de Meditações sobre Jacó e seus três grandes encontros com Deus. Tendo já considerado Betel e Peniel, resta apenas Berseba.

Jacó agora estava com 130 anos — um homem maduro, bem diferente daquele que encontrou o Senhor pela primeira vez em Betel, mais de 50 anos antes.

Quando Jacó chegou em Berseba, e antes que o Senhor lhe aparecesse, ele ofereceu sacrifícios ao Deus de seu pai Isaque. É a primeira vez que lemos dele oferecendo um sacrifício a Deus (veja nota no final). É verdade que demorou, mas que bom ver o amadurecimento deste servo. Em Betel ele estava preocupado em garantir alguma coisa do Senhor para si, e a sua oferta do dízimo foi condicionada à fidelidade do Senhor: se o Senhor o abençoasse, ele daria o dízimo. Aqui, porém, ele aproxima-se do lugar onde Abraão e Isaque haviam morado, o lugar de onde ele partira na sua primeira viagem 53 anos antes, e ele voluntariamente oferece sacrifícios (repare o plural) ao Deus de seu pai Isaque.

Irmãos, com quem nos parecemos mais? Com o Jacó de Betel, ou o Jacó de Berseba? Estamos mais preocupados em saber o que Deus vai nos dar, ou nossa alegria é oferecer a Ele daquilo que Ele já nos deu? Somos sacerdotes espirituais, que oferecem sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio do Senhor Jesus? Ou somos apenas pedintes? “A sanguessuga tem duas filhas: Dá e Dá” (Pv 30:15). “Que darei ao Senhor por todos os Seus benefícios para comigo?” (Sl 116:12).

Pela primeira vez na vida de Jacó, Deus lhe diz: ”Não temas”. Tanto Abraão (Gn 15:1) quanto Isaque (Gn 26:24) ouviram estas palavras do Senhor — agora é a vez de Jacó. E o interessante é que, justo agora, Jacó não teria realmente tantos motivos para ter medo. Em Betel, quando fugia de Esaú, ou em Peniel, quando voltava para encontrar-se com ele depois de vinte anos, ele tinha muitos motivos para ter medo (antes do encontro em Peniel ele confessou isto abertamente; 32:11).

Mas foi apenas aqui, já perto do final da sua vida, e numa situação não tão assustadora, que Deus lhe diz: “Não temas.” E que consolo Deus dá ao Seu servo. “Não temas descer ao Egito, porque Eu te farei ali uma grande nação. E descerei contigo ao Egito, e certamente te farei tornar a subir …” Jacó não iria sozinho — o Senhor iria junto com ele.

Deus, na Sua misericórdia, conhece as nossas fraquezas, e está sempre pronto a nos animar. E o verdadeiro ânimo que precisamos é o que Jacó recebeu aqui — não a promessa de que não teremos aflições, mas a promessa de que o Senhor não nos deixará enfrentá-las sozinhos!

Ah, bem melhor descer ao Egito com Ele, do que ficar em Berseba sozinho — muito melhor andar pelo vale da sombra da morte com Ele, do que descansar sozinho em pastos verdejantes!

Apreciamos a Sua presença? Cremos na Sua promessa? Ele disse: ”Não te deixarei, nem te desampararei” (Hb 13:5). Certamente, isto basta!

Senhor, afasta o nosso medo, e ajuda-nos a confiar somente em Ti!

Nota: Não estou afirmando que esta foi a primeira vez que ele ofereceu um sacrifício a Deus, mas sim que aqui em Berseba é a primeira vez que a Bíblia nos diz que ele fez isto. Duas vezes lemos de altares que ele edificou (em Siquém e em Betel — 33:20 e 35:7), com certeza para oferecer sacrifícios, e é praticamente certo que ele sacrificou ao Senhor também em outras ocasiões. Mas Deus quis mencionar sacrifícios apenas aqui, perto do final da sua vida, para nossa instrução.

W. J. Watterson

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