Cristo nos Salmos

Leitura: Hebreus 10:1-18; Lucas 24:44 — Chegamos agora aos Salmos, que foram classificados como “As Boas Novas” na terceira seção da Bíblia hebraica. Esses, por sua vez, são divididos em três seções chamadas de livros poéticos de Salmos, Jó e Provérbios: os rolos que eram lidos em dias de festas especiais, Cantares de Salomão, Rute, Lamentações, Eclesiastes e Ester; e os livros não proféticos de Daniel, Esdras, Neemias e Crônicas. Daniel é chamado de profeta por nosso Senhor, mas seu livro é colocado nessa posição por causa de seu ministério aos reis pagãos e gregos. Ele foi a testemunha de Deus para os reis terrenos de que o Ancião de Dias ainda estava para governar e reinar. Crônicas encerra o cânone sagrado porque trata do reavivamento da religião e do reacendimento da fé nacional. Ela termina com uma nota de adoração e aponta o caminho para o desígnio de Deus, a adoração do único Deus verdadeiro na reconstrução do Templo em Jerusalém.

Nos Salmos, Cristo é apresentado de maneira rica e variada. Muitos deles são messiânicos, tratando de assuntos relativos ao lugar, à obra e à glória do Messias. Os Salmos estão divididos em cinco livros — revelando os sentimentos do coração de Deus. Se os cinco livros da Lei interpretam o caráter de Deus, os cinco livros dos Salmos ilustram a compaixão de Deus. Na Lei, temos a grandeza de Deus; nos Profetas, temos a glória de Deus; e nos Salmos, a graça de Deus. Enquanto a Torá (Lei de Moisés) enfatiza o Deus dos hebreus, os Salmos revelam o Deus do coração humano.

Os três primeiros Salmos são a chave do livro. No Salmos 1, temos a excelência da Lei de Deus; no Salmos 2, a exaltação do Messias, e no Salmos 3, a experiência do crente. No primeiro Salmo, Cristo é visto como o Filho do Homem; no segundo Salmo, como o Rei, e no terceiro Salmo, como Senhor e Salvador. Assim, esses Salmos apresentam Cristo como o Homem, o Messias e o Mediador, ou como a Lei e os Profetas o descrevem como Profeta, Sacerdote e Rei. No ensino dos outros Salmos, é impossível esgotar os tesouros dos cinco livros. Nosso desejo é restringir nossa atenção à pessoa de Cristo e aprender o que pudermos sobre o significado de Sua palavra: “Nos Salmos a meu respeito”.

O fato de o livro dos Salmos ser dividido em cinco seções não deve ser considerado trivial ou de pouca importância. Nas Escrituras, os números são usados com design e precisão divinos. Para o judeu, o número cinco é sagrado e sugere graça ou favor. Quando José desejou demonstrar um favor especial a seu irmão Benjamim, lemos: “E tomou e mandou-lhes messes de diante dele; porém a messe de Benjamim era cinco vezes maior do que a de qualquer deles” (Gênesis 43:34); veja também (Gênesis 45:22). O número cinco é visto muitas vezes na construção do Tabernáculo. Foi com cinco pães que o Senhor Jesus alimentou a multidão faminta. Quando Cristo curou o homem impotente no tanque de Betesda, lemos: “tendo cinco alpendres”. Certamente isso é para nos lembrar da Graça de Deus para com a nação impotente naquela época. Assim como Moisés deu aos israelitas os cinco livros da Lei que revelavam a mente de Deus, correspondendo a isso, Davi lhes deu os cinco livros dos Salmos que revelavam o coração de Deus. Na Lei, temos as figuras de Cristo; nos profetas, as prefigurações de Cristo, mas nos Salmos, os sentimentos de Cristo. Essas mensagens são tão preciosas para o judeu quanto para o cristão, pois refletem a experiência do homem de fé no mundo em qualquer dispensação. Vamos procurar por Cristo de cinco maneiras. Primeiro, como o Homem ideal.

O Livro I (Salmos 1-41) corresponde ao Gênesis, pois tem muito a dizer sobre o homem. O homem é coroado rei da criação (Salmos 8) e sob seus pés todas as coisas foram colocadas. O propósito original de Deus para o homem não foi cumprido por causa do pecado, mas o plano divino não foi frustrado, pois o próprio Deus se tornou homem, e contemplamos o último Adão na morte (Salmos 22), na salvação (Salmos 23) e na glória (Salmos 24). Que dia maravilhoso aguarda não apenas uma humanidade que geme, mas também uma terra que geme, quando toda a criação cantará sob o governo de Cristo (Isaías 11:1-9; Rm. 8:18-23).

O Livro II (Salmos 42-72) corresponde a Êxodo, pois contém a história do gemido e do sofrimento do povo de Deus, seguido pela vinda do Rei (Salmos 45) e o estabelecimento do Reino (Salmos 72). Como é revigorante ver Cristo como rei, o ungido de Deus (Salmos 2, 20, 21, 24, 45, 72, etc.), e apesar do fato de que profetas, sacerdotes e reis falharam no governo da nação de Israel, o dia está marcado e o Rei que reinará em justiça para todo o sempre, o Senhor Jesus Cristo, está decretado. Quão verdadeiras são as palavras que logo serão cumpridas: “Porque Teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre, Amém” (Mateus 6:13).

O Livro III (Salmos 73-89) corresponde a Levítico, pois é o livro da “Santidade ao Senhor”. Muito é dito sobre o santuário e a adoração nesses Salmos. Lembramo-nos das palavras de outro ao descrever essa seção dos Escritos Sagrados: “Os Salmos são um rico conjunto de joias, composto do ouro da doutrina, das pérolas do conforto e das pedras preciosas da oração.” Enquanto o salmista considerava as perguntas atemporais — “Por que os ímpios podem se safar? Por que o povo inocente de Deus tem que sofrer tanto? Ele quase cede ao desespero pelas aparências externas até que fecha sua alma com Deus e entra no santuário (Salmos 73:17). Os problemas e as perplexidades da vida que às vezes parecem desafiar a solução dão lugar à oração da fé, e o homem de Deus visualiza as coisas do ponto de vista de Deus e de Seus propósitos. O mesmo Deus que operou em anos passados ainda está no trono e nunca quebrará Sua palavra: “Não quebrarei a minha aliança, não alterarei o que saiu dos meus lábios” (Salmos 89:34). Que segurança nos vem quando permanecemos no santuário e nos lembramos das palavras: “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, e hoje, e eternamente” (Hebreus 13:8).

O Livro IV (Salmos 90-106) corresponde a Números. O Salmos inicial foi provavelmente escrito por Moisés quando ele viu o povo morrendo no deserto. Outros Salmos dessa seção falam dos sofrimentos e das peregrinações do povo de Deus, que só terminarão quando o Senhor reinar. Ao ler esses Salmos do povo peregrino, lembramo-nos das palavras de Calvino: “A anatomia de todas as partes da alma, pois aqui o Espírito Santo representou para a vida todas as tristezas, sofrimentos, medos, dúvidas, esperanças, cuidados, ansiedades, em suma, todas as emoções tempestuosas pelas quais as mentes humanas costumam ser agitadas”. Esses Salmos são o espelho da alma de Cristo enquanto Ele vivia e trabalhava entre as massas. Ele entrou nas alegrias e tristezas da vida; manifestou admiração e surpresa; estava plenamente consciente da raiva e do amor, da simpatia e do desapontamento e, em Sua vida, retratou: compaixão, indignação, abnegação, sinceridade, coragem, calma, humildade, resistência e bondade. Ao longo dos séculos, os Salmos têm sido um bálsamo para os corações sobrecarregados e, assim como os filhos de Israel nos tempos antigos eram lembrados de sua provisão nas mãos do Senhor, hoje a Igreja Cristã é exortada em Hebreus: “Corramos com paciência a carreira que nos está proposta, olhando para Jesus, autor e consumador da nossa fé” (Hebreus 12:1-2).

O Livro V (Salmos 107-150) corresponde a Deuteronômio, pois nesses Salmos, como no quinto livro da Lei, a Palavra de Deus é magnificada. O cristianismo é uma religião que canta e certamente devemos fazer o que Paulo aconselhou: “A palavra de Cristo habite em vós abundantemente, em toda a sabedoria, ensinando-vos e admoestando-vos uns aos outros, com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando ao Senhor com graça em vosso coração” (Cl 3:16). É somente quando reverenciamos, apreciamos e lembramos a Palavra de Deus que cresceremos na graça e no conhecimento do Senhor. Cristo encontrou Seu prazer na lei do Senhor e, em Sua caminhada, trabalho e palavras, confiou absolutamente na verdade dela. Como é essencial seguir Seu exemplo e entrar na verdade de “O Homem Abençoado” (Salmos 1:1-3). Certamente, os Salmos deveriam ocupar um lugar muito maior em nossa vida como filhos de Deus. Descobrir Cristo nos Salmos trará conforto e ânimo para as tarefas da vida, força para os fardos do dia, coragem para o conflito, a união do coração partido, luz para os problemas da vida e esperança para o futuro ou, como o próprio salmista disse: “A bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do Senhor para sempre” (Salmos 23:6).

Leslie S. Rainey — “Alimento Para o Rebanho”, maio de 1966

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