Um Coração Mau

Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá? Eu, o SENHOR, esquadrinho o coração e provo os rins; e isto para dar a cada um segundo os seus caminhos e segundo o fruto das suas ações” (Jeremias 17:9-10).

O primeiro desses dois versículos contém uma afirmação muito forte, e que o mundo em geral não está de todo disposto a acreditar. “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas“, diz nosso texto. “Eu nego isso“, diz o homem infiel. “Certamente, meu coração é muito negligente e imprudente, mas é um coração honesto apesar de tudo“. “O coração é perverso“, diz nosso texto. “Nada disso“, replica o pecador. “Eu sei que desprezo bastante os meios de graça, e talvez não viva como deveria viver, mas eu estou certo que no fundo tenho um bom coração“. “Quem o conhecerá?” pergunta o texto. “O conhecemos!” nós havemos dito: “por quê, nós não pretendemos ser tão santos quanto vocês querem que sejamos, mas de certo modo nós conhecemos nossos próprios corações, nós sabemos quais são nossas faltas“.

E então, amados, parece haver aqui duas afirmações, e uma delas deve ser falsa. A eterna Bíblia está de um lado, e carne e sangue do outro; Deus diz uma coisa, e o homem diz outra. Agora, eu irei me esforçar para convencer-vos nesta manhã que o que a Escritura registra sobre o coração é estritamente e literalmente verdadeiro e correto; uma imagem fiel, uma figura viva, e não deve ser suavizada e chamada de figurativa e extravagante porque soa rude e simples, e não deixa espaço para que você se gabe. Ó, que o Espírito Santo possa trazer muitos de vocês ao entendimento correto dos seus próprios corações! É quase impossível dizer quão imensamente importante é ter uma visão clara do seu estado natural: “com o coração se crê para a justiça”; “dele procedem as fontes de vida”; “o homem vê o que está diante dos olhos, porém o SENHOR olha para o coração” (Romanos 10.10; Provérbios 4.23; 1 Samuel 16.7); em resumo, ao menos que você realmente conheça o caráter do seu próprio coração, você nunca dará valor ao Evangelho como deveria, você nunca amará o Senhor Jesus Cristo em sinceridade, você nunca verá quão absolutamente necessário foi que Ele sofresse a morte sobre a cruz para salvar nossas almas do inferno e apresentar-nos a Deus. Eu quero portanto, primeiramente, provar a você a verdade das palavras “enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso”; em segundo lugar, eu direi algumas palavras para lembrar que Deus conhece o que está dentro de você: “Eu, o SENHOR, esquadrinho o coração”; e, finalmente, eu apresentarei brevemente o único remédio que pode fazer a você qualquer bem, se você quiser ser salvo. É o meu desejo sincero e minha oração que todos vocês venham a Cristo e sejam salvos da ira vindoura; mas isto não acontecerá até que sejam convencidos do pecado, e vocês nunca serão completamente convencidos até que saibam que a raiz e origem e fonte de tudo isto está dentro de vocês, nos vossos próprios corações.

I. Ora, quanto ao engano e maldade naturais de cada homem, mulher, e criança que nasce no mundo, acima de tudo o que diz a Escritura? Como está escrito? O que nós lemos? Ouça o livro de Gênesis: “E viu o SENHOR que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente”; “A imaginação do coração do homem é má desde a sua meninice”. O primeiro livro de Reis: “Não há homem que não peque”. O livro de Salmos: “O SENHOR olhou desde os céus para os filhos dos homens, para ver se havia algum que tivesse entendimento e buscasse a Deus. Desviaram-se todos e juntamente se fizeram imundos: não há quem faça o bem, não há sequer um”. “Disse o néscio no seu coração: Não há Deus. Têm-se corrompido, e cometido abominável iniquidade; não há ninguém que faça o bem”. O livro de Jó: “Como seria puro aquele que nasce de mulher?” “Quem do imundo tirará o puro? Ninguém”. O livro de Provérbios: “Quem poderá dizer: Purifiquei o meu coração, limpo estou de meu pecado?” O livro de Eclesiastes: “Não há homem justo sobre a terra, que faça o bem, e nunca peque”. “O coração dos filhos dos homens está inteiramente disposto para fazer o mal”. “O coração dos filhos dos homens está cheio de maldade, e que há desvarios no seu coração enquanto vivem”.

O livro de Isaías: “Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu caminho”. “Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças como trapo da imundícia”. As palavras do Senhor Jesus no Evangelho de Mateus: “Do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, fornicação, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias. São estas coisas que contaminam o homem”. As mesmas palavras de modo mais completo em Marcos: “Do interior do coração dos homens saem os maus pensamentos, os adultérios, as fornicações, os homicídios, os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a dissolução, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Todos estes males procedem de dentro e contaminam o homem”. Ó este puro coração, este bom coração de que as pessoas falam! Esses não são textos que descrevem o caráter do ímpio apenas; eles são escritos para toda a humanidade, para mim e você e o mundo inteiro, e devem ser prova suficiente daquilo que Salomão declara: “O que confia no seu próprio coração é insensato”.

Mas talvez vocês gostariam de saber o que a história da Bíblia nos ensina neste ponto: é possível que vocês possam se gabar que esses são textos simples, e provavelmente não significam algo tão forte como eu fiz parecer. Não se enganem: vocês não encontrarão nada que os animem a pensar bem de vocês mesmos; o caráter do homem natural é em todo lugar descrito nas mesmas cores – é todo negro, muito negro. Talvez vocês algumas vezes pensem que a Bíblia é um livro que contém a história de muitos homens bons, e um registro da bondade de Deus para conosco, e um grande depósito de bons conselhos. Sem dúvida ela contém tudo isso, mas ela também contém algo mais: ela contém a verdadeira descrição do coração do homem, ela remove as frágeis coberturas que orgulho e vaidade lançam sobre nossas disposições naturais, e nos mostra o homem como ele realmente é; ela fornece prova contínua do começo ao fim da maldade inerente de nossos corações, e nos mune com incontáveis exemplos de nossa inclinação em direção ao pecado, ao menos que sejamos refreados e nos voltemos para a graça de Deus.

Ó amados, que vocês desejassem apenas buscar a Escritura para seu próprio proveito neste assunto! Eu não estou pregando minha própria doutrina; eu estou dizendo a vocês essa simples e humilde verdade que o Espírito Santo empenha-se em cada oportunidade possível em conduzir aos nossos corações, nesse bendito volume que foi escrito para nossa exortação.

Você dificilmente pode se voltar para uma única parte da história da Bíblia em que essa doutrina não se sobressaia. Olhe para os homens antes do dilúvio! Quem pensaria, com o Paraíso como testemunha diante de seus olhos (pois até o dilúvio, o Paraíso estava na terra), quem pensaria que eles pudessem virar suas costas para Deus, e se entregarem a todo tipo de luxúrias e pecado? Mas eles fizeram assim, apesar de cada advertência, e Deus foi obrigado a inundar o mundo inteiro, com exceção de oito pessoas. Olhe para os homens depois do dilúvio! Sem dúvida você esperaria que cada um fugisse do pecado como se fosse uma serpente, lembrando da ira de Deus contra a iniquidade; e mesmo assim, pasmem, a primeira coisa com que nos deparamos é a chamada de Abraão e sua família para preservar a memória de Deus sobre a terra; o mundo inteiro havia se tornado tão pecaminoso e idólatra que o Senhor Jeová foi obrigado a interferir, de certo modo, de uma maneira especial, e separou o lar de um homem para que Ele não fosse inteiramente esquecido. E para que você não imagine que as coisas não estavam tão más, e a chamada de Abraão não foi tão necessária, o próximo evento com que nos deparamos é a destruição de Sodoma e Gomorra, por causa de sua maldade abominável. Olhe para a história de Israel, sua família escolhida. Eles desceram ao Egito e habitaram lá, e duzentos anos depois, eles tinham se afastado tanto das coisas espirituais que tinham esquecido o nome do Deus de seus pais. Eles foram trazidos para fora por milagres com uma mão poderosa, e ainda nem haviam entrado pelo deserto quando murmuraram e desejaram retornar ao Egito. Eles foram levados à terra de Canaã, e tinham as melhores e mais puras leis dadas a eles, e ainda assim Josué estava praticamente sepultado quando eles lançaram fora seus ídolos. Vez após vez você lê sobre sua existência no duro cativeiro por seus pecados, vez após vez você lê sobre Deus libertando-os; e após alguns poucos anos parece ter sido tudo esquecido. O Senhor deu-lhes juízes e reis, sacerdotes, profetas, ministros, pregações e avisos; e ainda assim sua história, com umas poucas exceções, é uma história de incredulidade; reincidência, transgressão e crime até o próprio dia quando eles crucificaram o próprio Senhor Jesus Cristo. O que você pode dizer sobre essas coisas? Se já houve uma nação livre da incitação e tentação externa ao pecado, foram os judeus; eles estavam cercados e protegidos por todo lado por regras estritas, que os preveniam de se misturarem com outras nações, e apesar de tudo você vê o que eles foram. Você só pode explicar isso levando em conta a razão da Bíblia: eles têm a raiz de todo mal dentro deles, eles foram homens como nós, e assim como eles tinham corações enganosos e perversos acima de todas as coisas; também como muitos de nós eles não acreditavam, e assim eles caíram.

Mas eu não vou abandonar a Bíblia aqui. Eu digo ainda mais que você dificilmente pode se voltar para uma única família, mesmo dos melhores servos de Deus, em que a corrupção natural de nossos corações não apareça mais ou menos em algum dos ramos. O primogênito na casa de Adão foi Caim, um assassino. A família de Noé, aquele homem justo, continha Cão, o perverso pai de Canaã, a raça maldita. Abraão foi o pai de Midiã, um povo idólatra que enganou Israel no deserto, bem como de Isaque. Isaque foi o pai de Esaú, aquele “profano”, bem como de Jacó. Jacó foi o pai de Rúben que maculou a cama de seu pai, bem como de José. Eli, o sacerdote do Senhor, foi o pai de Hofni e Finéias, que fizeram o povo abominar a oferta de Deus. Davi foi o pai de Absalão e Amnom bem como de Salomão. Ezequias, aquele bom homem, foi o pai de Manassés, o mais perverso dos reis de Judá. Por que eu estou lhes dizendo essas coisas? Eu digo que elas mostram que boa educação e bom exemplo não podem sozinhos tornar bons os filhos dos santos sem a graça de Deus. Para lhes mostrar quão profundamente enraizado está a corrupção de nossas disposições naturais.

Mas eu ainda irei mais adiante. Eu digo que você dificilmente pode se voltar para um único personagem, entre os santos homens descritos na Bíblia, que não tenham, para seu próprio espanto e desalento, caído uma vez ou outra. Noé plantou uma vinha, e foi um dia encontrado bêbado. Davi cometeu adultério com a esposa de Urias. Pedro negou seu Senhor três vezes. O que isso prova? Prova sem sombra de dúvida que os mais excelentes da terra descobriram que a raiz de toda sua pecaminosidade estava dentro deles; eles nunca se vangloriaram da pureza ou bondade de seus corações, todos eles chegaram a registrar a verdade que, embora Satanás faça muito e o mundo faça muito, ainda depois de tudo o grande inimigo está sempre dentro de nós; é um coração enganoso acima de todas as coisas e perverso. Parem, amados, por um instante, e pensem nisso: os homens que foram os amigos de Deus, que viveram mais próximos a Ele, foram aqueles a quem encontramos pesando e lamentando mais amargamente sobre seus corações pecaminosos. Certamente o coração deve ser mais traiçoeiro do que você supôs.

Bem, talvez você diga que tudo isto pode ser mesmo verdadeiro; os homens de quem lemos na Bíblia certamente pecaram bastante; mas as coisas estão diferentes agora que vivemos sobre a luz do Evangelho. As coisas podem estar certamente diferentes em alguns aspectos; mas o coração é exatamente o mesmo. Eu não consigo ver a menor prova de qualquer mudança nele. Desde que cada jornal contém registros de crimes em uma forma ou outra de todos os tipos; desde que cadeias e prisões estão cheias e novas cadeias e prisões estão sendo continuamente construídas; desde que centenas e milhares são cada ano julgados e punidos, e ainda no próximo haverá muito mais cometidos; desde que homens fazem um deus e um ídolo do dinheiro, jurem e oram a Deus para condenação de suas almas, e transgridem o Sábado de cada maneira possível, e mostrem uma total falta de afeição e gentileza nas suas próprias relações, e revoltem-se e exaltem-se na mais insignificante ocasião, e pensem muito levianamente sobre fornicação, e pensem sagaz e claramente em enganar seus vizinhos, e não hesitem em dizer o que não é verdadeiro se isso serve aos seus interesses, e cobicem cada um o dinheiro, a casa, a terra e a propriedade do outro da manhã até a noite, e se embriaguem, como se vangloriassem em arruinar ao mesmo tempo corpo e alma – desde que, eu afirmo, tais coisas continuam na Inglaterra, que professa ser um país Cristão – e você sabe que elas continuam – desde que tais coisas continuam diante de Deus que tudo vê, e da Bíblia que tudo isso condena, e da Igreja que testemunha contra tudo isso; portanto eu declararei que a única razão possível que pode ser dada para tudo isso é a simples descrição do meu texto: “O coração natural de cada homem é enganoso acima de todas as coisas e perverso”. Deve haver alguma causa e origem escondida dentro de nós, ou os homens nunca seriam culpados de tão enorme insensatez.

Mas eu não irei deter-vos com provas desta natureza, que todos vocês devem conhecer. Eu gostaria especialmente de pôr diante vocês umas poucas questões que talvez muitos de vocês não tenham considerado.

Qual, então, é a razão dos homens serem tão ativos e diligentes em seus negócios e tão desatentos sobre suas almas? Eles se entregam inteiramente de coração e alma por seu trabalho, plantação, construção e jardinagem; eles levantam cedo e vão para a cama tarde; eles se agitam; eles levam tudo a sério; eles acham errado não ser diligente e trabalhador; mas quanto a servir a Deus, eles parecem pensar que seu dever é sentar quieto e não fazer nada.

Qual é a razão para os homens terem sempre tantas desculpas em servir a Deus? As mais ridículas, as mais insignificantes parecem satisfazê-los, mesmo sabendo que se dessem tantas desculpas para um mestre terreno, eles seriam imediatamente demitidos de seus empregos.

Qual é a razão para que homens prestem tanto respeito para aqueles acima deles sobre a terra? Seus senhores, seus mestres, o rico e o nobre, são sempre tratados com uma reverência e deferência próprias; mesmo assim o Senhor Deus Todo-poderoso, o Criador e Juiz de todas as coisas, é honrado quando é conveniente, como se fosse um favor assistir Sua casa e ouvir Seus ministros.

Qual é a razão para que os homens deem nomes suaves e amenizem práticas que Deus detesta, e falem de um adúltero como um homem feliz, do bêbado como um homem alegre, animado, de um festejador barulhento como um homem extravagante; enquanto que aquele que está se esforçando em permanecer em Cristo é chamado de louco, e aquele que tem uma consciência sensível às coisas espirituais é chamado de careta, e aquele que anseia por santidade de santarrão?

Qual é a razão para que muitos falem tanto e mostrem tanto conhecimento sobre os assuntos deste mundo, mas são sérios, silenciosos e ignorantes sobre suas almas – conseguem lembrar de cada coisa ruim com que eles tenham se deparado, mas esquecem as boas – conseguem ouvir de outros morrendo, e nunca consideram seu próprio estado – conseguem ver a morte chegando perto de suas portas, e mesmo assim negligenciam fazer preparativos para recebê-la?

Amado, estas coisas são admiráveis, mas elas não são verdadeiras? O homem, tão sábio, tão prudente, tão atencioso sobre a vida como agora é, parece um tolo em matéria do mundo porvir. E porquê? Ele tem dentro dele “um coração enganoso acima de todas as coisas, e perverso”.

E qual é a razão para que homens que professam e chamam a si mesmos cristãos geralmente criticarem as doutrinas que eles ouvem anunciadas, e dizer que elas devem estar erradas, e que elas não podem ser a verdade de Deus, que elas são tão humilhantes, tão rígidas: e mesmo assim não se dão ao trabalho de buscarem nas suas Bíblias, para ver se estas coisas são realmente assim. Qual é a razão para que tantos continuem dizendo que conhecem todas estas coisas, e mesmo assim nunca as fazem? Eles estão prontos em ficarem ofendidos se duvidamos de sua familiaridade com o Evangelho; mas eles param aí, seu conhecimento parece não fazer a mínima diferença em suas vidas.

Qual é a razão para que muitos utilizem as formas exteriores da religião, mas nunca orem em secreto? Eu sei que alguns de vocês não oraram noite passada e nem ainda essa manhã. Qual razão que tantos ouçam o Evangelho pregado semana após semana e nunca o apliquem a si mesmos, e vão embora da igreja tão frios e indiferentes como se tivessem ido assistir instruções dadas aos seus vizinhos, mas não referentes a eles mesmos?

Qual é a razão para que muitos se encorajem com a ideia de que tudo ficará bem no final, e mesmo que eles não possam explicar porquê; e que muitos façam uma grande profissão, e tentem enganar os ministros, como se Deus não visse tudo; e que muitos desejem ter o nome de cristãos espirituais sobre a terra, os quais claramente não estão carregando a Cruz ou mostrando a mente que estava em Cristo Jesus?

Verdadeiramente, amados, há apenas uma razão a ser dada, que é a razão da Bíblia. Comportamento tal qual eu tenho descrito – e vocês sabem que eu mencionei assuntos de acontecimentos cotidianos – tal conduta é tão completamente diferente do modo que os homens agem sobre os cuidados com seus corpos e as coisas deste mundo, que deve haver alguma razão oculta, alguma fonte secreta do mal dentro de nós. Eu afirmo que é impossível detalhar quão diferentemente os homens geralmente vivem dos simples preceitos da Bíblia; é impossível considerar o número e a variedade de formas que a lei de Deus é continuamente quebrada, e não enxergar a mais evidente prova que o coração natural dos homens é de fato enganoso acima de todas as coisas e perverso. Verdadeiramente estas palavras foram acrescentadas, “quem o conhecerá?” Quem pode mesmo entender como os homens podem fechar seus olhos para tal luz, e viver de tal forma como tantos fazem? Jó pensou que conhecia seu coração, mas a aflição veio e ele descobriu que não o conhecia. Davi pensou que conhecia seu coração, mas ele aprendeu pela amarga experiência quão tristemente ele estava enganado. Pedro pensou que conhecia seu coração, e em pouco tempo ele estava se arrependendo em lágrimas. Oh, orem, amados, se amam vossas almas, orem por alguma compreensão da própria corrupção de vocês; os mais santos de Deus nunca perceberam completamente a extrema pecaminosidade do velho homem que estava neles.

II. Eu prometi dizer poucas palavras sobre a segunda parte do meu texto, e não vou deter-lhes muito tempo nele. Nós lemos: “Eu, o SENHOR, esquadrinho o coração e provo os rins; e isto para dar a cada um segundo os seus caminhos e segundo o fruto das suas ações”. Há duas coisas escritas aqui: uma é que, ainda que vocês não conheçam seus próprios corações, o Senhor Deus Todo-poderoso conhece, e mantém uma estreita vigilância sobre eles; a outra é que Ele um dia os chamará à prestação de contas, e os julgará conforme seus caminhos e ações. Vocês não observam aqui o que a mente do Espírito nos aponta? Alguns homens podem dizer: “Deus não será radical em atentar o que está errado, eu terei paz mesmo que eu ande na imaginação do meu coração”; mas o profeta acabou com estes refúgios de mentiras nos avisando da busca e do julgamento logo após ter-nos declarado da falsidade do coração dos homens. Lembre-se, agora, ó homem infiel, que Deus põe seus pecados secretos à luz do Seu rosto (Salmos 90.8); as imaginações mais vis do vosso perverso coração, as obras que você tão cuidadosamente escondeu da vista dos homens, os pensamentos abomináveis que você não suspeitaria dos seus melhores amigos – tudo tem sido visto completamente por Aquele Puro e Único Santo que um dia será o Juiz de vocês. Lembre-se que a ira de Deus se manifesta sobre toda a impiedade e injustiça dos homens, que detêm a verdade em injustiça; que o ímpio será lançado no inferno, e todas as nações, juntamente, que se esquecem de Deus, e não atentam para tão grande salvação (Romanos 1.8; Salmos 9.17; Hebreus 2.3), que o inferno é um Ai eterno: milhões de milhões e milhares de milhares de anos passarão, e o bicho e o fogo serão justamente os mesmos, e este é o lugar para onde você está indo. Você não se agrada em crer no registro que temos dado do seu coração natural; mas olhe para trás na sua vida e conte-nos de um único dia em que você tenha feito tudo que Deus requereu de você e não tenha deixado nada por fazer: você não pode encontrá-lo; e o que você fará quando cada um dos trezentos e sessenta e cinco dias de cada um dos vinte, quarenta, sessenta anos da vida que você possa ter vivido vier à luz, quando milhares de pequenas coisas das quais você agora não se lembra aparecerem todas, e Deus perguntar a você, “O quê tens tu a dizer, porquê estas coisas não te condenariam?” Oh, não se iluda, mas leve em consideração o que Tiago disse que uma simples ofensa fará de você culpado, que Jesus ensina que do ponto de vista de Deus um pensamento ou sentimento é tão mal quanto um ato exterior, que um olhar lascivo é adultério, e que o ódio é assassinato. É melhor ser humilde agora e confessar que você não conhece sua própria vileza, do que elogiar sua vaidade e presunção, e perecer eternamente.

III. Amado, você está se sentindo disposto a dizer, “Se é assim, quem pode ser salvo?” e eu irei me esforçar para lhes dar bem resumidamente a resposta da Bíblia; eu tentarei apontar o caminho. Verdadeiramente qualquer plano de salvação terreno seria impossível, mas com Deus todas as coisas são possíveis, e Deus tem posto diante de nós um caminho pelo qual o mais vil pode chegar aos céus. Você está pensando que eu fui longe demais, que eu falei muito fortemente; mas você não pode dizer que eu tenha ido além da Bíblia, nem mesmo além do Livro de Oração Comum[1], o qual vocês usaram hoje e chamaram a si mesmos de pecadores miseráveis.

Eu afirmo, então, ó miseráveis pecadores, apesar de seus corações serem enganosos acima de todas as coisas, e perversos, apesar de que não haja saúde em vocês, eu digo que Deus lhes ama excessivamente. Ele tem dado Seu unigênito Filho para padecer por seus pecados; e agora todo aquele que n’Ele crê não perecerá, não será condenado, tem a vida eterna. “Quem pode ser salvo?” Todos, eu respondo, que desistem de suas iniquidades, e se lamentam por elas, e põem sua inteira confiança em Jesus Cristo. E quanto a esses corações enganosos? Arrependa-se e creia, e Deus os lavará no sangue da cruz, e fará como se fossem novos, e os criará de novo em justiça e verdadeira santidade; e os preencherá com o Espírito Santo, e colocará amor onde havia ódio e indiferença, e colocará paz onde havia dúvida e ansiedade, colocará força onde havia fraqueza. Certamente seu pecado é abundante, mas você descobrirá, somente se você tentar, que a graça é ainda mais abundante. Ó vocês miseráveis pecadores, que estão neste instante pensando bem do próprio estado, e não se preocupam sobre suas almas, e estão particularmente ofendidos da imagem que eu tenho desenhado de vossos corações – eu devo dizer nossos corações, pois meu coração é naturalmente tão abominável quanto o de vocês – ó miseráveis pecadores, eu lhes suplico que orem a Deus para que vocês vejam claramente a corrupção da natureza de vocês! Eu falo aos jovens entre vocês, seus corações são perversos, e enquanto vocês adiam o arrependimento e o chamado de Deus, são como crianças brincando com uma navalha – vocês são como um tolo brincando com um tigre. Eu falo àqueles entre vocês que estão avançando na vida, seus corações são perversos, e enquanto vocês hesitam e falam de uma ocasião mais conveniente para vir a Cristo, vocês estão adicionando pedra sobre pedra e tijolo por tijolo numa grande muralha que vocês têm levantado entre si mesmos e o Reino dos Céus.

Seus corações são enganosos acima de todas as coisas, e ao menos que eles sejam mudados, a Bíblia diz que a maioria de vocês irá seguramente perecer. Mas em nome do meu amoroso Mestre eu lhes ofereço um remédio completo; eu lhes proclamo a mais libertadora salvação. Eu imploro que não a rejeitem. Venham para Jesus: Ele não veio salvar o sábio aos seus próprios olhos, mas buscar o que estava perdido. Venham para o Cordeiro de Deus: ele tira os pecados do mundo; e mesmo que seus corações sejam cheios de iniquidade eles serão mudados, “ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a branca lã” (Isaías 1.18). Mas notem minhas palavras: Deus tem testificado que a menos que vocês escolham este caminho, o caminho do arrependimento e da fé, vocês não terão salvação, e por mais libertadoras e graciosas que sejam as ofertas que vocês rejeitaram, tão mais duramente vocês serão julgados no último dia. “Buscai ao SENHOR enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto. Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno os seus pensamentos, e se converta ao SENHOR, que se compadecerá dele; torne para o nosso Deus, porque grandioso é em perdoar” (Isaías 55.6-7).

John Charles Ryle – Extraído do 4º capítulo do livro “A Carreira Cristã” | Traduzido de Evangelical Tracts. Todo direito de tradução protegido por Lei Internacional de Domínio Público | Projeto Ryle – Anunciando a Verdade Evangélica.

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