O Glorioso Evangelho

“Àquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21).

O Evangelho prova ser de origem divina porque ele anuncia o que a mente humana jamais poderia ter originado. As grandes verdades que o Evangelho proclama são sem qualquer concorrência ou comparação com todos os sistemas de sabedoria humana. Preeminentemente, este é o caso com o Evangelho completo. Infelizmente, com poucas exceções e na melhor das hipóteses, é um Evangelho atenuado que tem sido pregado hoje. Pregações que deixam de fora os mais impressionantes, únicos e abençoados aspectos. Deixe as notícias gloriosas da redenção serem contadas em toda sua simplicidade e, ainda assim, profundidade, com sua clareza e perspectiva bíblica, e aqueles que verdadeiramente recebem essas boas novas em seus corações reconhecem que não é exagero e nem extravagância designá-las como o Evangelho Glorioso. Nada honra ou magnífica mais Deus; nada alegra ou satisfaz tanto os crentes.

Aqui e ali nas Escrituras, o Espírito tem nos fornecido resumos da verdade evangélica, compreendendo, no âmbito de um único verso os elementos essenciais de todo o plano e caminho da salvação. Lutero estava acostumado a chamar esses resumos de “pequenos Evangelhos”: como esse que temos em 2 Coríntios 5:21 “Àquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus”. Este versículo apresenta em linguagem mais decisiva os sofrimentos vicários de Cristo, assim como a satisfação oferecida por Ele à justiça divina pelos pecados do Seu povo; a imputação as Sua perfeita obediência aos crentes como título deles para a vida eterna; e a verdadeira Divindade d’Ele cuja justiça torna-se deles para a justificação em virtude de sua União com Ele. Estas grandes verdades não poderiam ser expressas mais clara e suscintamente.

“Àquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus”. Esta é uma das declarações mais profundas e abrangentes encontradas nas Escrituras sobre a Expiação. Dentro deste verso está comprimido todo um tratado de teologia e, portanto, cada cláusula cada palavra do verso, se faz necessário uma separada e minuciosa consideração. Enquanto consideramos esta mais solene, mas abençoada declaração nós descobrimos que existem três coisas que são ditas nelas respeitando Deus, o Pai, três afirmações sobre Deus Filho, na sua capacidade mediadora e três coisas sobre Seu povo. Propomos então pegar os conteúdos dessa passagem nessa ordem: Possa o coração do escritor assim como do leitor ser divinamente preparado a refletir sobre o mesmo, pois algo mais do que perspicácia intelectual é necessária ao contemplar coisas espirituais.

As três coisas mencionadas sobre Deus Pai são sua alta Soberania, Sua justiça inflexível, e Sua maravilhosa graça. Sua soberania é afirmada nas palavras “Deus o fez pecado por nós,” aí Sua soberania aparece em três prontos:

Primeiro, na Pessoa que Ele escolhe para essa extraordinária transação, que é o Filho. Ninguém além do Pai possui o direito e autoridade para designar o Filho para esta terrível tarefa. Apenas o Pai poderia apontá-Lo para este trabalho. Como o Deus-Homem, Cristo era servo de Deus, e O ordenando a realizar a tarefa de fazer expiação pelos pecados, nisso Deus demonstra sua alta e absoluta soberania sobre todas as pessoas e criaturas. Não foi homem, anjo, serafim ou querubim – Apenas o próprio Filho foi designado.

Em segundo, a soberania de Deus Pai aparece no ímpar arranjo legal ou constituição aqui aludido: Aquele que era sem pecado deve ser tratado como um pecador, e aqueles que são pecadores poderiam ir livres do sofrimento merecido. Ninguém além Dele que é absolutamente soberano sobre todos pode dispensar a Lei de acordo com Sua própria boa vontade imperial. Terceiro, a soberania do Pai aparece naqueles que são selecionados para serem beneficiários desse arranjo sem igual. Cristo não foi feito pecado por todos da raça de Adão, pois não é toda humanidade que é feita justiça de Deus n’Ele. Foi a soberania de Deus que elegeu pessoas que estariam eternamente em debito pela expiação feita por Cristo. Assim, toda fundação dessa maravilhosa transação descansa na absoluta soberania do Pai sobre todas as pessoas e coisas, e diante dessa soberania nós devemos humilde e agradecidamente nos curvar.

Em seguida, eis aqui a justiça inflexível de Deus. Em nenhum lugar as Escrituras afirmam que Deus estava sob qualquer compulsão ou necessidade moral de salvar seu povo, como fez: Foi somente pelo Seu soberano beneplácito que Ele criou o método e os meios necessários revelados no Evangelho. Mas tendo ordenado que seu Filho deveria ser “nascido sob a Lei”, então era imperativo que as ordenanças da Lei deveriam ser completamente obedecidas. Foi para este fim que Deus mandou seu Filho para ser propiciação pelos pecados, para “manifestar a sua justiça” (Romanos 3:25). Assim, de uma maneira especial, Sua justiça foi magnificada pela morte de Cristo. De fato, Deus não pode agir contrário à Sua própria perfeição, mas o exercício da Sua justiça, misericórdia, ou qualquer outro de Seus atributos, são regulamentados somente pela Sua vontade: Temos de respeitar estritamente os termos exatos das Escrituras Sagradas: Não é que, o culpado não pode ser inocentado, mas que, “ao culpado não tem por inocente” (Êxodo 34:7).

A maravilhosa graça do Pai manifestou-se com o objetivo ou projeto dessa transação, ou seja, que Seu povo seja libertado do pecado e constituído justo diante d’Ele. Note cuidadosamente que não está meramente escrito que Cristo foi “feito pecado por nós”, mas que “Deus O fez pecado por nós”. Assim, a graça da Vítima não é mais notável do que d’Aquele que forneceu o altar da redenção com o Cordeiro preordenado. Apesar de Cristo ser amado pelo Pai, Aquele em quem Sua alma se compraz (Isaías 42:1). No entanto, pelo Seu amor indizível pelo Seu povo, Deus ordenou que Ele fosse feito maldito por nós. Que graça estupenda que Deus, conhecendo nossa condição miserável, se apiedou de nós e resolveu nos reconciliar com Ele mesmo, por tal Sacerdote e Sacrifício como Cristo se tornou e foi adequado para nós. Oh! Que gratidão e louvores nós devemos a Ele!

O Filho

“Àquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios. 5:21). Este verso contém um breve resumo de todo o plano de salvação. Ele afirma o que Deus fez para a justificação do Seu povo, e portanto, é de especial interesse como apresentar em forma concisa o testemunho do Espírito sobre este assunto tão importante. Cada palavra nele exige uma consideração à parte, consideração cuidadosa e sob orações, pois um entendimento errado de qualquer das suas cláusulas nos envolverá em fundamental e terrível erro. Por outro lado, se o Senhor se agradar de abrir este verso para nossa percepção espiritual, não poderemos deixar de ser preenchidos com admiração e louvor – Com temor e fervorosa ação de graças.

Temos observado que nossa passagem nos apresenta três fatores em relação a Deus Pai, e agora iremos perceber os três fatores que nela contem em relação ao Filho: que são Sua pureza, Seu sofrimento e Seus méritos. Primeiro, sua inefável inocência: Ele não conheceu pecado. A imaculada pureza de Cristo é o mais prazeroso tópico de meditação, vivendo como estamos em um mundo mau e assediados pela iniquidade que ainda habita em nós. Três inspiradas declarações precisam ser particularmente pesadas nessa conexão “Não há pecado Nele” (1João 3:5), “Que não cometeu pecou” (1Pedro 2:22), “Não conhecia pecado”. Cristo era o Cordeiro de Deus “sem defeito e sem mácula”. Como tal era “santo, inofensivo, imaculado, separado dos pecadores” (Hebreus 7:26).

Pela sua milagrosa concepção, o Senhor Jesus foi isento do contágio do pecado original que contamina todo descendente caído de Adão. Para Maria foi dito, “O Espiro Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo à cobrirá com a sua sombra: por isso, Aquele que de ti há de nascer será chamado Santo, Filho de Deus” (Lucas 1:35). A pureza de Cristo era imaculada, impecável, imutável. Ele estava livre de qualquer transgressão: embora o mais ardente dos dados inflamados do Diabo fora atirado Nele, ainda assim não havia o menor defeito em Sua santidade: “…porque vem o príncipe deste mundo, e ele nada tem em mim” (João 14:30). Mesmo sendo submetido a grandes indignidades e fortes provoca- ções, ainda assim ele “Não cometeu pecado e nem dolo algum foi achado em sua boca”. Aos seus piores inimigos ele lançou o desafio “Quem de vocês me convence de pecado?” (João 8:46).

Mas esta expressão: “Não conhecia pecado” vai ainda mais além do que as que observamos acima, porque ela transmite muito mais do que a mera asserção de que Cristo não tinha pecado: Ela coloca Cristo a uma maior distância possível do pecado. A enfática asserção de que Ele “não conhecia pecado” apenas pode ser corretamente entendida enquanto a equilibramos com a clausula oposta “Para que nele fôssemos feitos justiça de Deus”. Agora nós “conhecemos” a justiça apenas como algo que é inteiramente estranha à nossa natureza como criaturas caídas, e não temos nenhuma apreensão subjetiva até sermos justificados pela fé: da mesma maneira Cristo “conhecia” pecado apenas como algo que era absolutamente estranho à Sua natureza, como algo à parte de Si, como algo que Ele como Santo abominou completamente, e do qual Ele não tinha nenhuma consciência subjetiva até que nossos pecados foram colocados sobre Ele.

Os sofrimentos incalculáveis de Cristo estão aqui resumidas nas palavras “Deus o fez pecado por nós”, o que é uma expressão abrangente incluindo a totalidade do que Cristo foi chamado para suportar enquanto fazia a expiação pelo Seu povo. Mas antes de examinar essa indescritivelmente solene Palavra, deixe primeiro salientar que, estar sem pecado era uma qualificação indispensável de Cristo para tornar-se nosso substituto – indistintamente prenunciado durante a lei cerimonial onde apenas os animais que “não tinham defeito” poderiam ser usados para fins de sacrifício. Nosso Sumo Sacerdote tinha que ser inteiramente sem qualquer pecado pessoal a fim de oferecer um sacrifício imaculado para satisfazer a justiça de Deus e alcançar Seu favor. Segundo, também deve ser claramente entendido que sendo “feito pecado por nós” a imaculada natureza do Redentor não mudou, nem a santidade da Sua Pessoa foi manchada ao menor grau. Ele não levou sobre si nem mancha e nem poluição do pecado: todas Suas perfeições inigualáveis e glória permaneceram sem mancha.

“Deus o fez pecado por nós”. Que incrível afirmação, e quão indescritivelmente solene.

Quem com o temor de Deus no coração ousaria fazer tal predicação se a veracidade dela não estivesse assegurada pelas Sagradas Escrituras: Que o Santo deveria “ser feito pecado”. Isso não quer dizer que Cristo foi feito pecado experimentalmente, mas sim judicialmente, não por transmissão mas por imputação. A palavra grega que é aqui traduzida “fez” (poieo) é a encontrada na frase “Eu os farei pescadores de homens” (Mateus 4:19) – Algo que eles não eram de forma natural. Em Marcos 3:14 a mesma palavra é traduzida “e Ele ordenou doze que deveriam estar com Ele”. Ocorre novamente em conexão com o Salvador “Deus fez esse mesmo Jesus, a quem vós crucificastes Senhor e Cristo” (Atos 2:36), que se refere não a Sua natureza e condição, mas a Seu status e posição.

O uso da palavra “poeio” nas passagens acima nos ajuda a reunir a força dela em “Deus o fez pecado por nós”: Deus comandou e ordenou que Seu Filho deveria ser feito pecado – Ele apontou que Cristo deveria ser constituído como tal. Mas o que significa Deus ter constituído Cristo “pecado”? Alguns dizem para ser oferta pelo pecado, outros dizem para suportar a penalidade pelo pecado. Mas nenhuma dessas explicações vai longe o suficiente: não poderia ser feito um sacrifício expiatório, a menos e até que o pecado tivesse sido imputado; e punição necessariamente pressupõe culpa, porque o inocente não pode ser justificadamente penalizado. A chave que destranca este mistério é encontrada nas palavras “O Senhor fez cair sobre Ele (o Mediador) a iniquidade de todos nós (não de todos) mas de todo nós”. A culpa de todos os pecados do povo de Deus foi levada à conta do Redentor e a Lei tratou com Ele de acordo.

O Filho (Parte 2)

“Àquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21). Com prazer iríamos demorar e procurar extrair deste versículo algo notável de sua doçura inexprimível; para que possamos ser mais firmemente estabelecidos na fé e que nossas almas possam ser nutridas desse modo. Mas como requerido do povo de Deus no passado que comessem o cordeiro pascal com “ervas amargas”, então somos chamados para levar a sério o temível preço que teve que ser pago pela nossa salvação. “A redenção de sua é caríssima” ou “dispendiosa” (Salmo 49:8) Tão infinitamente dispendiosa que O Santo foi “feito pecado” por nós. Esta foi uma transação divina, profundamente misteriosa, mas uma que é para ser recebida pela fé. Encontra-se no âmago do Evangelho, e nossa paz depende em grande parte de um entendimento correto do mesmo.

É apenas diligentemente comparando passagem com passagem e permitindo que as Escrituras interpretem as Escrituras que seremos preservados de erro grave neste ponto vital. Primeiro, então, nos voltamos para grande tipo desta transação única. No dia anual de expiação, nos foi dito que “Havendo, pois, acabado de fazer expiação pelo santuário, e pela tenda da congregação, e pelo altar, então fará chegar o bode vivo. E Arão porá ambas as suas mãos sobre a cabeça do bode vivo, e sobre ele confessará todas as iniquidades dos filhos de Israel, e todas as suas transgressões, e todos os seus pecados; e os porá sobre a cabeça do bode, e enviá-lo-á ao deserto” (Levítico. 16:21-22). Havia nesta figura uma real transferência de todas as iniquidades do povo de Deus para a cabeça da vítima. Da mesma forma somos informados que “O Senhor fez cair sobre Ele o pecado de todos nós” (Isaías 53:6) e, portanto, o apóstolo declara de Cristo “ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro” (1 Pedro 2:24).

  • Dizer que Cristo sendo “feito pecado por nós” quer dizer que Deus o apontou para ser oferta pelo pecado em nosso lugar não vai longe o suficiente: não poderia ser feito como um sacrifício expiatório, a menos e até que o pecado tivesse sido imputado a Ele – Observe a imposição de mãos do ofertante sobre a cabeça do animal antes de matá-lo em Levítico 1:4 e 4:4. Cristo não apenas suportou a penalidade que nossos pecados mereciam, mas até a culpa e a violação da Lei foi cobrado d’Ele. Como definitivamente nossos pecados foram feitos (legalmente constituídos) Dele, aparece na sua própria confissão deles como Seus: “Pois males sem número me têm rodeado; “as minhas iniquidades me prenderam” (Salmo 40:12). Era Ele próprio – Veja os versos 7 e 8 a identificação do locutor. Então novamente Ele declara “Tu, ó Deus, bem conheces a minha estultice; e os meus pecados não te são encobertos” (Salmo 69:5);
  • Dizer que Cristo sendo “feito pecado por nós” significa que o salário do pecado foi pago por Ele ou Ele sofreu a penalidade pelas transgressões de Seu povo também é uma inadequada e defeituosa definição, porque confunde um efeito com sua causa. Cristo não poderia ser punido por pecado a menos que Ele houvesse ficado culpado perante a Lei: punição sempre pressupõe culpa, pessoal ou imputada. Cristo era culpado aos olhos da Lei porque Ele tomou o lugar e agiu como fiador do Seu povo pecador; o terrível peso da culpa acumulada de todas as iniquidades deles sendo colocado n’Ele. O Senhor Jesus foi feito “pecado por nós”: Isto é, em nosso lugar, pois a ideia de substituição é necessariamente envolvida na própria natureza desta transação. A vítima imaculada tomou o lugar dos violadores da Lei e por isso Ele deve morrer. Por que Ele foi “feito pecado”, Ele também foi “feito maldição por nós” (Gálatas 3:13) sendo este último o resultado do primeiro.

Mas ainda que legalmente identificado conosco, o Patrocinador e Fiador não deve ser pessoalmente confundido conosco. Se nós consideramos Cristo pessoalmente como Emanuel ou oficialmente como Substituto, Ele sempre ocupou um lugar que pertencia somente a Ele. O fato de Ele suportar os pecados do Seu povo nunca o rebaixou moralmente à condição pessoal deles. Quando a temível culpa das nossas transgressões foi colocada Nele, Seu próprio espaço pessoal de separação (Hebreus 7:6) ainda foi mantida por Ele, e reconhecida por Deus enquanto retida por Ele. O Céu foi aberto na cruz, e se por um lado enquanto o fogo descia na Pessoa sagrada do nosso Substituto, por outro lado, deve ser lembrado que a partir da Cruz retornou ao céu, subindo como uma nuvem, a fragrância aceitável que encheu o Santuário. Maravilhosamente isto foi trazido pelos dois lados: a gordura pela oferta do pecado era queimado sobre o altar para “cheiro suave ao Senhor” (Levítico 4:31), enquanto o “doce incenso” era empregado no dia da expiação (Levítico 16:12-13).

O máximo de cuidado deve ser usado por nós quando meditamos sobre esse mistério solene e sagrado. Embora aprouve Deus fazer o inocente pecado por nós, ainda assim, longe da glória de Cristo ser manchada assim, isto foi reforçado. Ainda que suportando nossos pecados sem Seu próprio corpo no madeiro, foi o Santo que os suportou: Sua pureza pessoal sem mancha, sua natureza imaculada não contaminada. Isto se manifesta em outro, um dos mais belos de todos os tipos, a saber, o véu. O véu, que no tabernáculo separava o lugar santo dos Santos dos santos era o emblema nomeado da humanidade do nosso Salvador “a Sua carne” (Hebreus 10:20). Foi proeminentemente associado à Sua morte, pois foi rasgado por Deus de cima para baixo (Mateus 27:51). Quão abençoado, então, ver que a base desse véu era de linho branco puro e que nessa base foi exibido (por Cristo na vida e na morte da mesma forma) o celestial “azul” assim como púrpura e escarlate (Êxodo 26:31);

Resta-nos agora adicionar uma breve palavra sobre os méritos de Cristo. O Senhor Jesus não apenas era isento do pecado original e livre de toda transgressão pessoal, mas Ele era perfeitamente conformado com a vontade de Deus, tanto no coração e na vida, rendendo completa e perpetua obediência à Sua Lei em pensamento, palavra e ação. E sua obediência que glorifica a Deus merecia uma recompensa. Agora a perfeita obediência que Cristo rendeu à Lei foi vicária, sendo realizada no lugar e em favor de Seu povo, consequentemente, enquanto a morte se torna a porção do Substituto, vida eterna certamente se torna a porção de todo aquele que Ele representou. Cristo foi feito pecado por nós para que pudéssemos ser feitos “a justiça de Deus Nele”.

O Povo de Deus

“Àquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus”. (2 Coríntios 5:21). Resta-nos notar agora três coisas sobre o Povo de Deus: sua culpa, sua libertação e sua justiça.

Primeiro, nossa criminalidade. Foi porque estávamos sob a maldição da Lei que o Santo de Deus foi feito pecado por nós. É aí que podemos perceber os deméritos terríveis de nosso caso: um remédio tão drástico e caro faz inequivocamente evidente a desesperança de nossa condição por natureza. Nós aprendemos melhor como Deus avalia o pecado pelo forma Ele paga por eles: em nenhum lugar é a sua pecaminosidade tão evidente como na cruz. Visualizações defeituosas da Expiação necessariamente resultam em pouca consideração sobre o pecado. Ao contrário, nada é tão calculado para nos humilhar por nossa vileza como a contemplação pela fé de Cristo sendo feito maldição por nós.

Segundo, nossa libertação. Era algo que estava totalmente além das nossas próprias forças. Era Impossível que pudéssemos desfazer o passado, igualmente impossível que nós pudéssemos oferecer a Deus uma satisfação pelas nossas incontáveis transgressões. Não poderíamos mais mudar a nossa natureza caída assim como o etíope não pode muda a cor de sua pele. Criar um mundo não seria menos impraticável do que uma depravada criatura produzir frutos de santidade. Até onde estávamos envolvidos, nosso caso era totalmente sem esperança: A não ser que a misericórdia divina tenha piedade de nós, devemos inevitavelmente perecer. Essa misericórdia tomou não a forma de um comando arbitrário nem simplesmente do poder invencível, mas ordenando que ninguém menos do que o Filho de Deus deve tornar-se homem, tomar nosso lugar, assumir nossas responsabilidades e pagar as nossas dívidas. Foi pelos sofrimentos de Cristo que fomos eternamente libertos da condenação.

Terceiro, nossa justiça. Aqui é a bem-aventurança e glória do Evangelho da graça de Deus: que nós, que somos totalmente desprovidos de justiça, que somos positivamente injustos, culpados, sim, cujas melhores obras são “trapos de imundícia” na vista do Céu, nos tornarmos a “justiça” de Deus n’Ele. Observe bem esta palavra “nEle”, e não em nós mesmos, para referir-se não à santificação, mas à nossa justificação; não é o nosso estado, mas a nossa posição diante do trono divino. “Justiça” está aqui deve ser tomada em seu sentido forense, e não como se referindo a qualquer mudança moral, para a base de nossa aceitação, e não a qualquer disposição da mente ou coração operada em nós pelo Espírito. O resumo é usado com o propósito de enfatizar: Não é que somos meramente aceitos como justos: mas o próprio fundamente sobre o qual ele repousa é afirmado – Nós nos tornamos justiça em si.

É de vital importância que tenhamos um correto conceito Escriturístico dessa verdade fundamental. O crente se torna justiça somente por imputação, assim como Cristo foi “feito pecado” somente por imputação. É verdade que há consequências inseparáveis em cada instância: pois assim como [o fato de] Cristo ao ser feito pecado O levou a ser tratado em conformidade, então nós nos ao sermos feitos justiça, judicialmente implica na obra santificadora do Espírito em nós experimentalmente. Mas nosso texto não está tratando dos efeitos em ambos os casos, mas vai imediatamente atrás da causa fundamental. Precisamente na mesma forma que Cristo foi feito pecado por nós – a saber, por Deus imputar a Ele toda a culpa de nossas iniquidades, assim nos tornamos a justiça de Deus n’Ele – a saber, por Deus imputar a nós todos os méritos de Cristo ao magnificar a Lei pela obediência.

A antítese é exata e instantânea: Assim como a nossa culpa foi lançada em Cristo, então Sua justiça é colocada em nossa conta. Como a transferência da nossa culpa ao Fiador implicou em Ele sofrer a pena da mesma, então a imputação da obediência de Cristo para nós, nos credencia a Sua recompensa. Assim como não foi por causa de seus próprios atos criminosos que Cristo foi feito pecado – também não é por qualquer conduta piedosa nossa que nos tornamos justiça perante o tribunal divino. Assim como não foi por causa de qualquer macula em sua natureza ou qualquer pecado pessoal que Cristo foi tratado pela justiça Divina como transgressor, também não é por qualquer santidade moldada em nós que somos aceitos por Deus e pronunciados justos pela Sua Lei. É “pela obediência de Um”, e não pelas obras de cada crente, que muitos são feitos (legalmente constituídos) justos (Romanos 5:19).

Vamos chamar atenção para uma passagem paralela “Mas Ele foi ferido pelas nossas transgressões, Ele foi moído pelas nossas iniquidades: o castigo que nos traz a paz estava sobre Ele, e pelas Suas pisaduras fomos sarados (Isaías 53:5). Assim nos vemos quão prestativamente Escritura explica Escritura, ponderando cuidadosamente os termos desta profecia nos é fornecido uma interpretação segura do nosso texto. Primeiro, o fato de que o sofrimento vicário do nosso Salvador é afirmado, aqueles sofrimentos sendo infligidos Nele por causa de nossas transgressões. Segundo, a explicação dessa transação solene é dada: Punição caiu sobre nosso Redentor por causa da culpa dos pecados do Seu povo. Terceiro, o resultado abençoado dessa transação é declarada: Ele sendo ferido garante nossa cura. As pisaduras eram tudo devido a nós por causa das nossas transgressões. Mas porque nossas iniquidades foram imputadas a Cristo, o castigo foi colocado sobre Ele, e portanto a cura vem a ser nossa.

A grande verdade afirmada em nosso texto é a troca de lugares. É a dupla troca de lugares no que diz respeito ao pecado e a justiça individualmente, e as contra imputações do mesmo. Isso é estabelecido por uma antítese, que plenamente ilustrado seria: “Ele fez Aquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nós (que não conhecemos justiça) fossemos feitos a justiça de Deus Nele”. Mas tem uma palavra onde partiu o paralelo, embora na tradução em português está escondido. Deus fez (constituiu) Cristo pecado por nós, mas isso não é dito na clausula de contraponto “Para que fossemos feitos justiça de Deus: Uma palavra grega completamente diferente é usada e seria melhor traduzida como: “para que pudéssemos nos tornar justiça de Deus n’Ele”. E por que? Por que essa justiça é apenas “para todo aquele que crê” ((Romanos 3:22). O preço foi pago quando Cristo morreu, nossa posse real mesmo é quando estamos enxertados NEle pela fé.

Conclusão

“Àquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21). Sinceramente confiamos que nossos leitores não sintam que nossas meditações estejam longas e cansativas quanto a este versículo. Esse conteúdo é tão completo, maravilhoso, tão abençoado, que poderia muito bem envolver nossa atenção de forma lucrativa por várias páginas. Especialmente, tendo em vista o fato de que a doutrina verdadeira é muito pouco pregada nestes dias de superficialidade. E mesmo quando o povo de Deus tem sido instruído nos fundamentos do Evangelho, ele não pode senão refrigerar e alegrar seus corações por serem lembrados de novo daquilo que é a admiração dos anjos. Nesta ocasião propomos permanecer na expressão mais importante do nosso texto.

O que é conotado por “a justiça de Deus” que aqui estamos a ser feitos ou nos tornamos em Cristo? Para isto, uma tripla resposta pode ser dada:

Primeiro, é uma justiça dada por Deus para aqueles que não tem nenhuma justiça própria. Tendo perdido nossa justiça original (quando Adão pecou) e por isso caiu em condenação, Deus, da plenitude da Sua graça, providenciou uma justiça de acordo com todos os requisitos de Sua Lei e garantiu nossa salvação, que após a nossa crença é colocada em nossa conta – que em consequência ficamos absolvidos de toda a culpa e nos dado a recompensa da vida eterna. Esta justiça é uma que difere de todas as outras justiças que já foi ou pode ser realizada. Ela difere inteiramente da justiça de homens e anjos, por que não é justiça de criaturas, mas do Criador: “Eu o SENHOR a criei” (Isaías 45:8). É, portanto, uma Divina e infinitamente excelente justiça.

Segundo, é uma justiça efetuada por Deus. O Pai a criou através do Filho, da mesma forma que pelo Filho Ele criou o universo (Colossenses 1:16), e isto porque o Filho é um com Ele, e por isso lemos sobre: “a justiça de Deus e Salvador Jesus Cristo” (2 Pedro 1:1). De antigamente Deus declarou: “Faço chegar Minha justiça, e não estará ao longe, e a minha salvação não tardará (Isaías 46:13). Foi durante a vida d’Ele na terra que essa justiça foi feita pelo Filho encarnado. Ela consiste naquela perfeita obediência à Lei, tanto para seus preceitos como para sua pena, que foi rendida a ela pelo nosso Senhor Jesus, que é o “o Deus Forte”. Esta é a “justiça eterna”, que foi “trazida” (Daniel 9:24) por Ele. A obediência de Emanuel confere mais honra sobre a Lei do que a obediência de todas as criaturas inteligentes (Isaías 42:21). É uma obediência vicária que o Filho encarnado rendeu à Lei, e por tanto Ele é “o Senhor Justiça Nossa” (Jeremias 23:6).

Assim, é a justiça de Deus não apenas porque foi planejada por Ele, mas também porque ela foi realmente realizada pelo Mediador Deus-homem. No mesmo momento em que Ele publicamente se dedicou a este trabalho pelo qual Ele veio aqui, Ele declarou: “Assim nos convém cumprir toda a justiça” (Mateus 3:15). Embora essa impecável conformidade com a Lei foi alcançada pelo Filho do Homem, ainda assim Ele rejeitou todo o louvou pela mesma “O Pai que está em mim é que faz as obras” (João 14:10). Esta abençoada confissão não apenas expressou a perfeição de Sua natureza humana como obediente Glorificador de seu Criador e Pai, mas também dá a entender que tudo o que Ele fez também foi obra de Deus, por que esse Homem tinha sido tomado em união pessoal com Deus, e por isso Ele afirma “Eu e o Pai somos um” (João 10:30).

Terceiro, essa é uma justiça aceita por Deus. Deus está satisfeito com a obediência que Cristo realizou no lugar de Seu povo, e sinalizou Sua aprovação trazendo dos mortos nosso Fiador e sentando-o à sua direito nos Céus. Ele recebeu essa justiça como um resgate perfeito para nós, pois é o preço que Cristo pagou para libertar Seu povo de descer ao poço da destruição eterna, e pelo qual Ele obteve para eles glória celestial e eterna. E essa obediência perfeita de Cristo é colocada na conta de todos aqueles que estão unidos à Ele pela fé: é legalmente transferida a eles por Divina imputação, como está escrito “a justiça de Deus… sobre todos aqueles que creem” (Romanos 3:22). Fé não é parte dessa justiça, mas é através da fé que ela é recebida e se torna disponível para salvação. Fé é a crença do testemunho divino a respeito dessa justiça e confiança naquele que é o Autor dela. A fé percebe e reconhece a adequação e excelência da justiça de Cristo e cordialmente a adota.

“Para que nele fôssemos feitos justiça de Deus”. Mas antes de podermos ter o direito a alguma coisa em Cristo, devemos ser um com Ele, devemos ser unidos à Ele como nosso Cabeça, estando mortos para a Lei e casados com Ele. Essa união é realizada através da fé, então a justiça d’Ele, que se torna nossa desta maneira, é chamada “a justiça da fé” (Romanos 4:13) e “a justiça que vem de Deus pela fé” (Filipenses 3:9). É chamada de “justiça da fé” porque fé é o único instrumento que aprouve Deus fazer uso na aplicação da sua justiça. Estas grandiosas verdades são apresentadas à fé, pois é a própria natureza da fé buscar de seu glorioso Objeto ao qual não possui em si mesmo. A doutrina da imputação vicária é algo que é inteiramente externo à experiência humana, originando com Ele cujos pensamentos não são nossos pensamentos e cujos caminhos estão tão acima dos nossos quanto os céus estão acima da terra.

Esta justiça está “sobre todos aqueles que creem” (Romanos 3:22). Não é posto neles como sua santificação é moldada na alma pelo Espírito, mas colocado sobre eles como um manto: “Eu me regozijo muito no Senhor, a minha alma se alegrará no meu Deus, porque me vestiu com as vestes da salvação, cobriu-me com o manto de justiça” (Isaías 61:10). É o vestuário impecável, que é dado pelo Senhor Jesus para aqueles que ouvem a Sua voz, que eles possam vestir e a vergonha da nudez (das almas deles) não apareça (Apocalipse 3:17). É o “linho fino”, limpo e branco, com que a Noiva, a esposa do Cordeiro é vestida, por que o linho fino é a justiça dos santos (Apocalipse 19:8). Assim Jesus Cristo, o qual para nós foi feito por Deus “justiça” (1 Coríntios 1:30) – Sua justiça se torna deles. Assim como nossos pecados são colocados sobre Ele, então Sua obediência é colocada sobre nós. Não é uma justiça moldada por nós, mas dada e posta sobre nós.

Aqui, então, está a grande boa nova, o glorioso Evangelho: que somos feitos justiça em Cristo. Sabedoria carnal não pode apreendê-lo, mas fé se aproxima e se alegra com ele. No entanto pode ser contrário à razão humana que a culpa deva ser transferida do injusto para o justo, e que a justiça garantida de Cristo deva ser imputada aos pecadores sem valor, mas a fé de maneira submissa aceita a verdade e, assim, aprendemos a conhecer o amor d’Aquele em quem temos crido. “A justiça de Cristo é [onde] o olho do crente para sempre está direcionado. Sobre essa justiça ele deve descansar, sobre essa justiça ele deve viver, sobre essa justiça ele deve morrer, nesta justiça ele deve aparecer diante do tribunal, nesta justiça ele deve permanecer para sempre na presença do justo Deus” (Robert Haldane). Bem, então podemos exclamar com o Salmista: “A minha boca manifestará a tua justiça e a tua salvação todo o dia… Sairei na força do Senhor DEUS, farei menção da tua justiça, e só dela” (Salmo 71:15-16).

Arthur Walkington Pink (1886 – 1952) – Título Original: “The Glorious Gospel” – A. W. Pink abordou uma infinidade de temas das Escrituras nos mais de 30 anos que os seus estudos nas Escrituras foram publicados. É apropriado que este pequeno folheto ostentaria o título “O Evangelho Glorioso”! Ele foi primeiramente publicado nos “Estudos de Pink” de Agosto à Dezembro de 1940. O irmão Pink também publicou um estudo bastante minucioso da Palavra de Deus, desde Janeiro de 1947 até Setembro de 1949, nos “Estudos de Pink”, intitulado “A Doutrina da Revelação” por God’s Grace. A “Mt. Zion Publicações” reimprimiu a série em forma de livro no verão de 1999. Este texto foi editado originalmente por Emmett O’ Donnell para “Mt. Zion Publicações”, um ministério da “Igreja bíblica Mt. Zion”, 2603, West Wright St., Pensacola, FL 32505 – Chapel Library | Eternal Life Ministries.

Leitura e Impressão