As Maquinações de Satanás

Não ignoramos suas maquinações” (2 Coríntios 2.11).

As maquinações pelas quais o deus sutil deste mundo se esforça por destruir os filhos de Deus – ou pelo menos atormentar àqueles a quem ele não pode destruir, perturbando-os e embaraçando-os no correr a carreira que lhes está proposta, são incontáveis como as estrelas do céu ou como as areias de beira-mar. Mas é somente de uma dessas maquinações que me proponho falar (embora ela seja insinuada de vários modos), tentando Satanás dividir o Evangelho contra si mesmo e com uma de suas partes subverter a outra.

O reino interior do céu, que se estabelece no coração de todos os que se arrependem e creem. No Evangelho, outra coisa não é senão “justiça, paz e gozo no Espírito Santo”. Toda criancinha em Cristo sabe que somos feitos participantes desses dons na própria hora em que cremos em Jesus. Mas esses dons são apenas as primícias de seu Espírito; a colheita vem mais tarde. Embora essas bênçãos sejam inconcebivelmente grandes, ainda esperamos vê-las maiores do que estas. Esperamos amar ao Senhor nosso Deus não somente como o fazemos agora, com um afeto fraco, posto que sincero, mas “de todo nosso coração, de toda nossa mente, de toda nossa alma e de toda nossa força”. Esperamos pelo poder de “regozijar-nos sobremodo, orar sem cessar e em tudo dar graças”, sabendo que “esta é a vontade de Deus em Cristo no tocante a nós”.

Esperamos ser “aperfeiçoados em amor”, naquele amor que exclui todo temor opressivo e todo desejo, exceto o de glorificar Aquele a quem amamos, e de amá-lo e servi-lo cada vez mais. Esperamos por tal crescimento no conhecimento experimental e no amor de Deus nosso Salvador, que nos habilitará sempre “a andar na luz como Ele está na luz”. Cremos que haverá em nós toda a mente “que havia também em Cristo Jesus”; que amaremos a todo homem a ponto de dar nossa vida pelo próximo, de modo que, por esse amor, sejamos libertados da ira, do orgulho e de toda afeição perversa. Esperamos ser purificados de todos os nossos ídolos; “ser” salvos de toda imperfeição, “seja” da carne ou do espírito; “ser” salvos de toda nossa impureza, “interna e externa; ser purificados” como Ele é puro.

Confiamos em sua promessa, que não pode mentir, que certamente virá o tempo em que, em toda palavra e obra, faremos sua bendita vontade na terra, como se cumpre ela nos céus; quando toda nossa conversação será temperada com sal, toda ela apta a ministrar graça aos ouvintes; quando, quer comamos ou bebamos, ou façamos qualquer outra coisa, o faremos para a glória de Deus; quando todas as nossas palavras e atos serão “em nome do Senhor Jesus, dando graças a Deus, o Pai, através dele”.

Ora, a grande maquinação de Satanás é destruir a primeira obra de Deus na alma, ou pelo menos lhe entravar o crescimento, por meio de nossa expectação de obras maiores. É, pois, meu presente intento apontar, primeiro, os vários modos pelos quais ele leva isso a efeito; e, em segundo lugar, observar como podemos apagar esses dardos Inflamados do maligno; como podemos crescer ainda mais, por meio daquilo que ele toma como ocasião de nossa queda.

Desejo apontar, primeiro, os vários modos pelos quais Satanás intenta destruir a primeira operação de Deus na alma, ou pelo menos lhe embaraçar o crescimento, mercê de nossa expectação de obra maior.

Ele tenta abater nossa alegria no Senhor, pela consideração de nossa própria vileza, pecaminosidade, indignidade; a isto acrescenta que deve haver mudança ainda muito maior, ou não poderemos ver o Senhor. Se estivéssemos certos de que poderíamos permanecer como somos, até o dia da morte, experimentaríamos uma espécie de conforto, ainda que pobre, em face daquela necessidade. Como, entretanto, sentimos que não devemos permanecer nesse estado, estando certos de que há maior mudança a operar-se, e que, a não ser que todo o pecado seja debelado nesta vida, não poderemos ver a Deus na glória – o sutil adversário com frequência empana a alegria que de outro modo deveríamos experimentar em face do que já temos alcançado, mediante a representação perversa do que ainda não alcançamos e da necessidade absoluta de o alcançarmos. Assim é que não podemos regozijar-nos no que temos, porque há alguma coisa mais que não temos. Não podemos corretamente provar a bondade de Deus, que tão grandes coisas nos tem dado, porque há muito maiores coisas que até agora Ele não nos deu. De modo igual, quanto mais profunda é a convicção que Deus opera em nós, no tocante à nossa impiedade atual, e quanto mais veemente é o desejo que sentimos em nosso coração da santidade completa que Ele prometeu nos, mais somos tentados a pensar levianamente dos dons atuais de Deus e a menosprezar o que já recebemos, em confronto com o que ainda não recebemos.

Se ele pode prevalecer até aí, se pode nos sufocar a alegria, logo também atacará nossa paz. O maligno insinuará: “És capaz” de colocar-te diante de Deus? Ele é de olhos demasiadamente puros para que contemple a iniquidade. Como, então, podes lisonjear-te a ti mesmo, a ponto de imaginares que Deus te olhe com complacência? Deus é Santo: tu és ímpio. Que comunicação tem a luz com as trevas? Como será possível que, impuro como és, tu te encontres em estado de ser aceitável “Deus? Na verdade vês o alvo, o prêmio de tua alta vocação mas não percebes que ele está muito longe? Como então te podes presumir de pensar que todos os teus pecados já foram cancelados? Como pode ser isto, até que sejas levado para mais junto de Deus, até que tenhas maior semelhança com Ele?”. Deste modo Satanás tenta não só abalar tua paz, mas ainda subverter o fundamento dela; fazer-te recuar, a passos insensíveis, ao ponto inicial de que partiste, a buscar a salvação pelas obras ou por tua própria justiça, fazer de alguma coisa que haja em ti o fundamento de tua aceitação, ou, pelo menos, necessariamente preparatório dessa aceitação.

Ora, se resistirmos, dizendo: “Não se pode pôr outro fundamento além do que foi posto, que é Jesus Cristo”, e: “Sou justificado pela graça de Deus, mediante a redenção que há em Cristo Jesus – ainda ele não deixará de insistir: “Mas a árvore é conhecida por seus frutos: e tens os frutos da justificação? Há em ti aquela mente que havia em Cristo Jesus? Estás morto ao pecado e vivo para a justiça? Conformaste-te à morte de Cristo e conheces o poder de sua ressurreição?”. E então, comparando os minguados frutos que sentimos em nossas almas com a plenitude das promessas, estaremos prontos a concluir sem tardança: “Certamente que Deus não disse que meus pecados me foram perdoados. Certamente que eu recebi a remissão de meus pecados; porque, qual a herança que tenho entre os santificados?”.

Em tempos de fraqueza e sofrimento, Satanás mais especialmente insistirá com toda sua força: “Não é palavra daquele que não pode mentir: Sem santidade ninguém verá o Senhor? Mas tu não és santo, bem o sabes; sabes que a santidade é a plena imagem de Deus: e quanto isto está acima de ti, fora de tuas vistas? Não podes atingi-lo. Portanto, todo teu labor tem sido em vão, Todas essas coisas tu as tens sofrido em vão, Gastaste teu vigor em troca de nada. Estás ainda em teus pecados, e por isso neles deves perecer”. E assim, se teus olhos não estiverem firmemente postos naquele que levou todos os teus pecados, Satanás te reconduzirá àquele “temor da morte” pelo qual estiveste tanto tempo “sujeito à escravidão”, por este meio abalando, senão mesmo destruindo totalmente, tua paz, como também tua alegria no Senhor.

Mas sua obra-prima de sutileza está ainda a ser considerara. Não contente em conturbar tua paz e tua alegria, ele leva seus esforços ainda mais longe: dirige também seus assaltos contra tua justiça. Tentará abater e, se possível, destruir, a santidade que houveres recebido, pela tua expectativa de receber mais, de alcançar a plenitude da imagem de Deus.

A maneira pela qual Satanás empreende isto pode parcialmente ressaltar do que já foi observado. Porque, primeiro, atacando nossa alegria no Senhor, Satanás do mesmo golpe atenta contra nossa santidade, visto ser a alegria no Senhor um meio precioso de promover todos os impulsos santos; um instrumento escolhido por Deus, pelo qual Ele realiza grande parte de sua obra na alma crente. E este é um considerável auxílio, não somente à santidade interior, mas também à santidade exterior. Ela fortalece nossas mãos para prosseguirmos na obra da fé e no trabalho do amor, para virilmente “combatermos o bom combate da fé e para apoderarmos da vida eterna”. Ela é particularmente destinada por Deus para ser uma compensação tanto dos sofrimentos internos como dos sofrimentos externos, para “confortar as mãos cansadas e corroborar os joelhos enfraquecidos”. Consequentemente, o que empana nossa alegria no Senhor, proporcionalmente entrava nossa santidade. E assim, ao mesmo tempo em que Satanás abate nossa alegria, ele também nos prejudica a santidade.

Seguir-se-á o mesmo efeito se ele puder, por qualquer meio, abalar ou destruir nossa paz. Porque a paz de Deus é outro meio precioso de avivar em nós a imagem de Deus. Dificilmente se encontra um auxílio à santidade maior do que este – uma continua tranquilidade de espírito, a serenidade de um espírito firmado em Deus, um calmo repouso no sangue de Jesus. Sem isso, dificilmente será possível “crescer em graça” e no vital “conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo”. Porque todo temor (exceto o terno temor filial), congela e atordoa a alma. Estanca todas as fontes de vida espiritual e detém todo movimento do coração que tenha a Deus como alvo. E a dúvida, por assim dizer, enlameia a alma, de modo que esta se debate no mais espesso barro. Por isso, na mesma proporção em que algum desses meios prevalece, nosso crescimento em santidade estará prejudicado.

Ao mesmo tempo em que nosso astuto adversário tenta fazer de nossa convicção da necessidade de perfeito amor uma ocasião de abalar nossa paz, mediante dúvidas e temores, tenta também enfraquecer, senão destruir, nossa fé. Na verdade esses dons Se acham inseparavelmente ligados, de modo que devem permanecer ou cair juntos. Enquanto subsiste a fé, permanecemos em Paz; nosso coração permanece firme enquanto crê no Senhor. Mas se deixarmos escapar-se nossa fé, nossa filial confiança em Deus, que ama e perdoa – nossa paz se extinguirá, tendo sido subvertido seu verdadeiro sustentáculo. Essa fé é o único fundamento, tanto da santidade, como da paz; portanto, o que abate uma, também abala, até as próprias raízes, toda a santidade: porque, sem fé, sem um vivo sentimento de que Cristo me amou e deu-se a si mesmo por mim; sem a convicção ininterrupta de que Deus, por amor de Cristo, é misericordioso para comigo, pecador – é impossível que eu possa amar a Deus: “Amamo-lo, porque Ele primeiro nos amou”; e amamo-lo em proporção à força e à clareza de nossa convicção de que Ele nos amou e aceita-nos em seu Filho. A não ser que amemos a Deus não é possível que amemos ao próximo como a nós mesmos; nem: consequentemente, que tenhamos qualquer afeição reta, seja no tocante a Deus, seja no tocante ao homem. Segue-se, evidentemente, que o que enfraquece nossa fé deve, no mesmo grau, obstruir nossa santidade; e aquele é não só o mais eficiente caminho para a destruição de toda a santidade, mas é o caminho mais curto, visto que ele não afeta nenhum traço do caráter cristão, nenhuma graça específica ou fruto do Espírito, mas, na medida em que alcance sucesso, cerceia as próprias raízes de toda a obra de Deus.

Nenhum espanto, pois, deve causar, se o senhor das trevas deste mundo ai concentrar toda sua energia. Assim o verificamos pela experiência. É muito mais fácil conceber do que expressar a indizível violência com que esta tentação frequentemente assalta aos que têm fome e sede de justiça. Quando eles veem, numa clara e forte luz, de um lado, a desesperada maldade de seu próprio coração, e, de outro, a imaculada santidade a que são chamados em Cristo Jesus; de um lado, a profundidade de sua própria corrupção, de sua total separação de Deus, e, de outro, a altura da glória de Deus, daquela imagem do Santo, na qual devem ser renovados – muitas vezes nenhum espírito lhes resta e quase podem exclamar: “A Deus isto é impossível!”. Estão prontos a abrir mão da fé e da esperança; a lançar fora a mesma confiança pela qual devem vencer todas as coisas, através de Cristo que os fortalece; pela qual, “depois de terem feito a vontade de Deus”, devem “receber a promessa”.

E se eles “guardarem inabalável o princípio de sua confiança, até o fim”, sem dúvida alguma receberão a promessa de Deus, tanto no tempo como, na eternidade. Mas aí outro laço se arma a nossos pés: se ardentemente suspirarmos pela parte da promessa que se deve cumprir aqui, “pela gloriosa liberdade dos filhos de Deus”, podemos descuidar-nos da consideração da glória que será depois revelada. Nossos olhos podem ser insensivelmente desviados da coroa que o justo Juiz prometeu dar naquele dia “a todos os que amam a sua vinda” e podemos ser levados a perder de vista a herança incorruptível a nós reservada nos céus. Mas isto também será uma perdição para nossas almas e um empecilho à nossa santidade. Porque, andar continuamente à vista de nosso alvo, é um auxilio necessário no correr a carreira que nos está proposta. Foi isso – ter em “consideração o prêmio da recompensa” – que, nos tempos antigos, encorajou Moisés a ser antes “maltratado com o povo de Deus do que ter o gozo do pecado por algum tempo; tendo por maiores riquezas o opróbrio de Cristo do que os tesouros do Egito”. Demais, está expressamente declarado acerca de um que é maior do que Moisés, que, “pelo gozo que lhe foi proposto, sofreu a cruz e desprezou o vitupério”, até que “se assentou à mão direita do trono de Deus”. Daí, podemos facilmente inferir quão necessária nos é a visão do gozo que nos está proposto para que possamos suportar a cruz, qualquer que ela seja, e apressarmo-nos, através da santidade, rumo à glória.

Mas, enquanto estamos avançando para esse alvo, assim como para a gloriosa liberdade que lhe é preparatória, corremos o risco de cair em outro laço do diabo, por meio do qual ele se esforça por estrangular os filhos de Deus. Podemos dar tão excessiva atenção ao amanhã, que cheguemos ao ponto de negligenciar o aperfeiçoamento de hoje. Podemos esperar tanto pelo perfeito amor, que cheguemos ao ponto de não usar o que já foi antes derramado em nossos corações. Não faltam exemplos dos que têm sofrido grandemente por esta causa. Encontravam-se tão preocupados com o que deviam receber mais tarde, que profundamente negligenciaram o que já tinham recebido. Na expectativa de terem cinco talentos mais, sepultaram na terra seu único talento. Pelo menos, não o incrementaram como podiam ter feito, para a glória de Deus e o bem de suas próprias almas.

Assim o sutil adversário de Deus e do homem intenta invalidar o conselho de Deus, dividindo o Evangelho contra si mesmo e fazendo que uma parte dele subverta a outra parte, de modo que a primeira obra de Deus na alma se destrói pela expectação de sua obra perfeita. Temos apontado vários dos caminhos pelos quais Satanás tenta isso, cortando, por assim dizer. As fontes da santidade. Mas essa obra ele mais diretamente a realiza, tornando aquela bendita esperança numa ocasião de impulsos maus.

Deste modo, enquanto nosso coração se acha faminto e sedento de todas as grandes e preciosas promessas; quando suspiramos pela plenitude de Deus como o cervo brama pelas fontes de águas; quando nossa alma rompe em ferventes desejos: “Por que seus carros tardam tanto?” – Satanás não perdera a oportunidade de levar-nos a murmurar contra Deus. Empregará toda sua astúcia e todo seu poder, se por acaso, numa hora descuidada, pudermos ser influenciados a censurar a nosso Senhor, por assim retardar sua vinda. Pelo menos, trabalhará por excitar alguma dose de irritação e impaciência, e, talvez, de inveja daqueles que acreditamos já terem alcançado o prêmio de sua alta vocação. Bem sabe ele que, dando lugar a qualquer desses sentimentos, estaremos simultaneamente demolindo aquilo que deveríamos edificar. Seguindo desse modo em pós da santidade perfeita, tornamo-nos mais ímpios do que dantes. Sim, há maior perigo de que nosso último estado venha a ser pior do que o primeiro, à semelhança daqueles de quem o apóstolo fala nestas tremendas palavras: “Melhor teria sido para eles não terem conhecido o caminho da justiça do que, depois de conhecê-lo, apartarem-se do santo mandamento entregue a eles”.

E dai Satanás espera obter outra vantagem: formar um mau conceito do bom caminho. Ele é sensível ao fato de serem poucos os que são capazes de discernir (e demasiadamente grande é o número dos que não querem fazê-la), entre o abuso, acidental e a tendência natural de uma doutrina. O abuso acidental e a tendência natural são, pois, constantemente amalgamados, em relação à doutrina da Perfeição Cristã, para predispor a mente dos homens incautos contra a gloriosa promessa de Deus. E quão frequentemente, quão geralmente, quase diria – quão universalmente, Satanás tem prevalecido neste ponto! Porque, quem é o que observa alguns dos acidentais maus efeitos dessa doutrina e não conclua imediatamente seja tal sua tendência natural, e prontamente não grite: “Vede, estes são os frutos” (querendo dizer os frutos naturais, necessários), “de tal doutrina”? Não assim: são frutos que podem acidentalmente brotar do abuso de uma grande e preciosa verdade: mas o abuso desta, como de qualquer outra doutrina bíblica, de modo nenhum destrói seu uso. Nem pode a infidelidade do homem, pervertendo seu reto caminho, invalidar a promessa de Deus. Não: seja antes Deus verdadeiro e todo homem mentiroso. A palavra do Senhor permanecerá. “Fiel é o que prometeu: Ele também o fará”. Não nos deixemos “apartar da esperança do Evangelho”. Antes observemos – o que constitui a segunda proposição apresentada – como podemos apagar os dardos inflamados do maligno; como podemos elevar-nos exatamente por meio daquilo que ele empreende para ser ocasião de nossa queda.

E, primeiro: intenta Satanás destruir nossa alegria no Senhor, pela consideração de nossa pecaminosidade: a isto acrescenta ele que, sem inteira, universal santidade, ninguém pode ver o Senhor? Podes fazer recair este dardo sobre sua própria cabeça se, pela graça de Deus, quanto mais sentires tua própria vileza, mais te alegrares na confiante esperança de que tudo isso passará. Enquanto guardares esta esperança, toda disposição má que sintas, embora a detestes com perfeito ódio, pode ser um meio, não de extinguir tua humilde alegria, mas antes de aumentá-la. “Isto e aquilo” – podes dizer – “perecerá do mesmo modo da presença do Senhor. Como a cera se derrete ao fogo, assim isso se derreterá perante sua face”. Por este meio, quanto maior for a mudança que reste a operar-se em tua alma, maior será tua vitória no Senhor e teu regozija no Deus de tua salvação, que tão grandes coisas já fez por ti e. multo maiores do que essas ainda fará.

Em segundo lugar, quanto mais veemente ele assaltar tua paz com aquela sugestão: “Deus é santo, tu és ímpio; estás imensamente distante daquela santidade sem a qual não podes ver a Deus: como podes estar então no favor de Deus? Como podes ter a fantasia de estares justificado?” – mais enérgico cuidado tenha sem sustentar que: “Não por obras de justiça que eu tenha feito sou achado nele: sou aceito no Bem-amado, não tendo minha própria justiça (como causa, no todo ou em parte de nossa justificação diante de Deus), mas pela que Vem da fé em Cristo, a justiça que é de Deus pela fé”. Oh! Ata estas palavras em torno de teu pescoço: escreve-as sobre a tábua de teu coração. Ata-as como pulseira em teu braço, como frontal entre teus olhos: “Sou justificado livremente por sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus”. Estima e preza cada vez mais esta preciosa verdade: “Pela graça sais salvos me. diante a fé”. Admira cada vez mais a livre graça de Deus, em ter de tal modo amado ao mundo, que lhe deu “seu unigênito Filho, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. Assim, o sentimento de pecaminosidade que experimentas, de um lado, e, de outro, a santidade que esperas, contribuirão para estabelecer tua paz e para fazê-la correr como um rio. Assim também tua paz jorrará como uma torrente, apesar de todas aquelas montanhas de impiedade, que se aplainarão no dia em que o Senhor vier a tomar posse de teu coração. Nem causará a doença, ou a dor, ou a aproximação da morte, qualquer dúvida ou temor. Sabes que um dia, uma hora, um momento, é, para Deus, como mil anos. Ele não se embaraçará com o tempo em que será feita em tua alma a obra restante. A hora de Deus é sempre a melhor. Por isso não estejas ansioso por coisa alguma: somente faze dele conhecidas tuas súplicas, e isto não com dúvidas ou temores, mas agradecimento; estando previamente certo de que Ele não te pode recusar nenhum bem.

Em terceiro lugar, quanto mais fores tentado a abandonar teu escudo, a lançar fora tua fé, tua confiança em seu amor, maior cuidado ponhas em conservar aquilo a que tenhas atingido e mais ainda labutes por acender o dom de Deus que há em ti. Não permitas que se aparte de ti esta palavra: “Tenho um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o Justo”; e “A vida que agora vivo, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e entregou-se a si mesmo por mim”. Seja esta tua glória e tua coroa de regozijo; e vê que ninguém te arrebate tua coroa. Conserva esta crença: “Sei que meu Remidor vive e no último dia estará sobre a terra”; e: “Agora tenho redenção em seu sangue e o perdão de pecados”. Assim, cheio de toda a paz e alegria dos crentes, prossegue, na paz e na alegria da fé, rumo à renovação de toda tua alma segunda a imagem daquele que te criou! Entrementes, clama a Deus sem cessar, para que possas ver o prêmio de tua alta vocação, não como Satanás o representa, de maneira horrível, mortal, mas em sua genuína e original beleza; não como alguma coisa que deva existir, sem o que irás para o inferno, mas como alguma coisa que possa verificar-se, para levar-te ao céu. Encara-o como o mais desejável dom que se acha em todos os tesouros das ricas misericórdias de Deus. Considerando-o sob este verdadeiro ponto de vista, dele terás fome cada vez maior; toda tua alma estará sedenta de Deus e dessa gloriosa conformidade com sua imagem; e, tendo recebido uma boa esperança de alcançá-la e uma forte consolação através da graça, jamais estarás cansado ou abatido em tua mente, mas prosseguirás até que o alcances.

No mesmo poder da fé, apressa-te rumo à glória. Na verdade, esta é a mesma perspectiva. Desde o começo Deus reuniu o perdão, a santidade e o céu. Por que os separaria o homem? Oh! Guarda-te disso! Não permitas que se rompa um elo da corrente de ouro. “Deus por amor de Cristo me perdoou. Está Ele agora me renovando à sua própria imagem. Em breve me fará apto para si mesmo e me tomará para que esteja diante de sua face. Eu, a quem Ele justificou pelo sangue de seu Filho; sendo inteiramente santificado pelo seu Espírito, subirei suavemente à Nova Jerusalém, à Cidade do Deus Vivo. Ainda um pouco, e irei à Assembleia Geral e Igreja dos primogênitos, e a Deus, Juiz de todos, e a Jesus, o Mediador da nova aliança. Bem depressa estas sombras se dissiparão e cairá sobre mim o dia da Eternidade! Bem depressa beberei da fonte de água da vida, que jorra do trono de Deus e do Cordeiro! Ali todos os seus servos o louvarão e verão sua face, e seu nome estará sobre suas frontes. E ali não haverá noite; e eles não têm necessidade de lâmpada, ou da luz do sol. Porque o Senhor Deus os alumiará, e eles reinarão por toda a eternidade”.

E se deste modo “provaste a boa palavra e os poderes do mundo vindouro”, não murmurarás contra Deus pelo fato de não estares ainda “preparado para a herança dos santos em luz”. Em lugar de reclamares por não teres alcançado ainda completa libertação, louvarás a Deus por te haver libertado até aqui. Glorificarás a Deus por aquilo que Ele já te fez, tomando-o como penhor daquilo que ainda fará. Não te queixarás de Deus porque não foste ainda renovado, mas tu o bendirás, Porque hás de sê-Ia e porque “tua salvação” de todo pecado “está agora mais próxima do que quando” primeiramente “creste”. Em lugar de te atormentares desnecessariamente porque o tempo ainda não Se cumpriu por completo, calma e pacificamente esperarás por Ele, sabendo que “virá e não tardará”. Podes, por isso, mais alegremente suportar o peso do pecado que ainda permanece em ti, porque o pecado não permanecerá para sempre. Ainda um pouco e ele será lavado. Somente “espera a demora do Senhor”: se forte e “Ele confortará teu coração; põe tua confiança no Senhor!”.

E se vires alguém que pareça (tanto quanto possa o homem julgar, embora somente Deus perscrute os corações), ser já participante de sua esperança, ser já “aperfeiçoado em amor”, longe de invejar a graça de Deus manifestada nele – que isto alegre e conforte teu coração! Glorifica a Deus por sua causa. “Se um membro é honrado”, não devem “todos os demais regozijar-se com ele?” Em lugar de ciúmes ou despeitos em relação ao tal, louva a Deus pela consolação! Regozija-te em teres uma prova evidente da fidelidade de Deus no cumprir todas as suas promessas; e esforça-te mais ainda por “crer que para isto também foste chamado em Cristo Jesus!”.

Para isso, redime o tempo. Aproveita o momento presente. Monopoliza toda oportunidade de crescer em graça ou de fazer o bem. Não permitas que a ideia de receber amanhã maiores graças te faça negligenciar o dia de hoje. Agora tens um talento: se esperas mais cinco, melhor razão tens para aproveitar o que tens. E quanto mais esperares receber depois, mais deves trabalhar agora para Deus. Sua graça é suficiente a cada dia. Agora está o Senhor derramando sobre ti seus benefícios: apresenta-te como despenseiro fiel da presente graça de Deus. Seja o que for o dia de amanhã, emprega toda tua diligência em “adicionar à tua fé a coragem, a temperança, a paciência, o amor fraternal” e o temor de Deus, até que alcances aquele amor puro e perfeito! Que estas coisas estejam agora “em ti e sejam abundantes!”. Não sejas agora preguiçoso ou infrutífero: “e uma entrada te será ministrada no reino eterno de nosso Senhor Jesus Cristo!”.

Finalmente, se no passado abusaste da bendita esperança de seres santo como Ele é santo, não lances fora semelhante esperança. Cesse o abuso e permaneça o uso. Usa-o agora para mais abundante glória de Deus e proveito de tua própria alma. Em fé inabalável, em calma tranquilidade de espírito, em plena certeza da esperança, regozijando-te sobremodo naquilo que Deus já fez – avança rumo à perfeição! Crescendo diariamente no conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo, aperfeiçoando-te de força em força, em resignação, em paciência, em humilde reconhecimento em face do que já tens alcançado e por aquilo que ainda alcançarás, corre a carreira que te está proposta, “olhando para Jesus”, até que, através do perfeito amor, entres em sua glória! John Wesley – Fundador do metodismo no século 18, para download. Entenda como o pastor da Igreja Anglicana lidou e ensinou sobre várias questões daquela época. John Wesley editou os sermões em dois momentos: logo depois do início da fase mais evangelista e da formação do movimento metodista, e mais tarde, a partir de 1778, no “Arminian Magazine”, revista editada por ele até o ano da sua morte, em 1791. As reflexões a respeito de Wesley e sua linha teológica tem sido motivo de várias pesquisas no país e no mundo.

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