A Fé

O antigo catecismo da assembleia pergunta: “Qual é o principal objetivo do ser humano?” e a resposta é: “Glorificar À Deus e alegrar-se Nele para sempre”. A resposta está totalmente correta, mas seria igualmente verdadeira se fosse mais curta. O principal objetivo do ser humano é “agradar à Deus”; não é necessário dizer que assim ele fica feliz, porque isso é um fato inquestionável. Nós cremos que o sentido da vida humana, nesta vida é agradar à Deus, seu Criador. Quem vive de um modo que agrada à Deus, está fazendo mais para contribuir para seu bem estar temporal e eterno.

“Sem fé é impossível agradar a Deus” (Hebreus 11:6).

Ninguém pode agradar à Deus sem angariar uma profunda felicidade, porque se alguém agrada a Deus é porque Deus o aceita como filho, lhe dá a bênção da adoção, derrama sobre ele generosamente da sua graça, torna-o uma pessoa abençoada nesta vida e lhe garante uma coroa de vida eterna, que usará e que terá um brilho que nunca diminui, mesmo depois que as coroas de glória tiverem todas sido consumidas. Por outro lado, se alguém não vive de modo a agradar a Deus, é inevitável que ele traga tristeza e sofrimento para esta vida. Ele está colocando vermes e podridão no meio das suas alegrias, enchendo de espinhos o travesseiro sobre o qual se deitará na morte, e abastecendo o fogo eterno com vermes de fogo que o consumirão para sempre. Aquele que agrada a Deus está, pela graça divina, viajando em direção a recompensa final de todos os que amam e temem a Deus; o que não agrada à Deus, declara a escritura, precisa ser banido da presença de Deus e, em consequência, de gozar a felicidade.

Se, portanto, estamos certos ao dizer que agradar a Deus equivale a ser feliz, a única pergunta importante é: como posso agradar a Deus? Na afirmação do nosso texto há algo muito solene: “Sem fé é impossível agradar a Deus”. Isso é como dizer: “Faça o que você puder, esforce-se o mais que puder, viva da melhor maneira que você conseguir, faça os sacrifícios que quiser, seja o mais destacado que conseguirem todas as coisas agradáveis e de boa fama”, só que nenhuma dessas coisas poderá agradar a Deus se não estiver misturada com fé. O Senhor disse aos Judeus: “Todas as ofertas dos teus manjares temperarás com sal”. A nós Ele diz: “com tudo o que você faz você precisa trazer fé, pois sem fé é impossível agradar a Deus”.

Essa é uma lei antiga; ela é tão antiga como o primeiro homem. Assim que Abel e Caim nasceram neste mundo e atingiram a maturidade, Deus proclamou de modo solene sua lei de que “sem fé é impossível agradá-lo”. Caim e Abel, num belo dia, cada um construíram um altar, um ao lado do outro. Caim colheu fruto das árvores e do solo abundante e os colocou sobre seu altar; Abel trouxe das primeiras crias do rebanho e os colocou sobre o altar dele. Estava para ser decidido qual Deus iria aceitar. Caim tinha trazido do seu melhor, mas o trouxe sem fé; Abel trouxe seu sacrifício, mas o trouxe com fé em Deus. Quem seria aceito? Os sacrifícios tinham calor igual.

Sobre qual sacrifício descerá o fogo celestial? Qual o Senhor consumirá com o fogo do seu prazer? Oh! Vejo o sacrifício de Abel ardendo, e o semblante de Caim se fechando, pois Deus se agradou de Caim e de sua oferta. A mesma coisa acontecerá até que o último ser humano foi levado para o céu. Jamais haverá uma oferta aceitável que não foi temperada com sal. Por melhor que seja, na aparência tão boa como a que foi feita com fé, mas Deus não pode e não vai aceitá-la se não vier com fé, porque é ele que declara: “Sem fé é impossível agradar a Deus”.

Irei esforçar-me esta manhã para condensar meus pensamentos o mais que eu puder, trazendo uma exposição do que é fé; em segundo lugar explanarei que sem fé é impossível ser salvo; em terceiro lugar, farei uma pergunta: “Você tem essa fé que agrada a Deus?”.

Primeiro, a exposição. O que é fé?

Os escritores antigos, que são de longe os mais sensíveis – você percebe que os livros escritos a duzentos anos pelos antigos puritanos tem mais sentido em uma linha que em uma página dos nossos livros novos, e mais em uma página do em um livro inteiro da teologia moderna – os escritores antigos lhe dizem que a fé se compõe de três coisas: conhecimento, concordância e o que eles chamam de confiança, ou seja, tomar posse do conhecimento com o qual nos concordamos e assimilá-lo confiando nele.

Comecemos com o início. O primeiro elemento da fé é conhecimento. Ninguém pode crer em algo que não sabe. Isso é uma afirmação clara, evidente em si mesma. Se ouço falar de uma coisa que não conheço, não posso crer nela. Mesmo assim há pessoas que tem fé como o pedreiro que, quando lhe perguntaram no que ele cria respondeu: “creio no que a igreja crê”. “E no que a igreja crê?” “a igreja crê no que eu creio”. “Sim, mas no que você e a igreja creem?” “Bem, cremos na mesma coisa”. A única coisa que esse homem cria era que a igreja estava certa, mas no que ele não sabia dizer.

É inútil que alguém diga: “Eu sou crente”, se não sabe no que crê; mesmo assim tenho visto pessoa com essa posição. Ouviu uma pregação empolgante que agitou o sangue deles; o pregador gritava: “Creia! Creia! Creia!” e de repente as pessoas põe na cabeça que são crentes, e saem por ai dizendo isso. Quando lhe perguntam: “Bem, no que vocês creem?”, não sabem dar a razão da esperança que há neles. Creem que irão ao culto no próximo domingo; pretendem juntar-se a certo tipo de pessoas; decidem cantar com muita força, e serem maravilhosos a seus próprios olhos, por isso acham que serão salvos; mas não sabem dizer no que creem. Bem, para mim a fé não é verdadeira se a pessoa não sabe dizer no que crê. O apóstolo disse: “como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados?” Para ter fé verdadeira, portanto, a pessoa precisa ter algum conhecimento da Bíblia. Você pode ter certeza de que vivemos em uma época em que não se ensina tanto a Bíblia como antes. Há uns cem anos o mundo estava cheio de intolerância, crueldade e superstição. Nós sempre vamos para os extremos, e agora estamos no outro. Naquela época se dizia: “Só há uma fé certa! Acabem com todas as outras, pela tortura e pela espada!” Agora dizem: “Por mais contraditórios que os nossos credos sejam, estão todos certos”. É só usar o bom senso para ver que isso não é verdade.

Alguns dizem: “Essa ou aquela doutrina não precisa ser pregada, nem se precisa crer nela”. Bem, se não é preciso pregá-la, ela não precisava ser revelada. Você está questionando a sabedoria de Deus quando diz que uma doutrina é desnecessária, pois está dizendo que Deus revelou algo que não era necessário, e lhe faltaria sabedoria tanto se fizesse mais do que o necessário como se fizesse menos. Eu tenho certeza que as pessoas deveriam estudar todas as doutrinas da palavra de Deus, e que sua fé deveria apossar-se de tudo de que tratam as Escrituras Sagradas. Especialmente no que concerne a pessoa do nosso bendito redentor. Precisa haver certo grau de conhecimento antes que possa haver fé.

“Examinai as Escrituras, porque cuidais ter nela a vida eterna, e são elas mesmas que testificam” de Cristo. Com a pesquisa e o estudo vem o conhecimento, com o conhecimento vem a fé, e com a fé vem a salvação.

As pessoas, porém, podem ter conhecimento e não ter fé. Posso saber algo e mesmo assim não acreditar. Por isso a concordância precisa acompanhar a fé: isto é, também precisamos concordar que aquilo que sabemos é com toda certeza a verdade de Deus. Bem, para ter fé é necessário que não só eu leia e compreenda as escrituras, mas que eu as receba em minha alma como sendo a verdade do Deus vivo, que eu aceite com devoção, de todo o meu coração, toda a escritura inspirada pelo altíssimo, e toda a doutrina que exige que eu creia para ser salvo. Você não pode ter as escrituras e crer no que quiser; você não pode crer nas escrituras com meio empenho, pois se o fizer intencionalmente, você não tem a fé que olha só para Cristo.

A fé verdadeira aceita totalmente a escrituras; toma uma página e diz: “Não importa o que está nessa página, eu creio nisso”; passa para outro capítulo e diz: “Aqui há algumas coisas difíceis de entender, que os incultos e instáveis distorcem, como também fazem com outros trechos das escrituras, para sua própria destruição; porém, por mais duro que seja, eu creio”. Vê a trindade na unidade, mas crê nela. Vê o sacrifício expiatório; há algo difícil neste conceito, mas ela crê nele. Seja o que for que vê na revelação, ela coloca seus lábios com devoção sobre o livro e diz: “Amo tudo isso, concordo de modo pleno e total, de todo coração, com cada palavra, seja advertência, promessa, provérbio, preceito ou bênção. Creio que, como está tudo na palavra de Deus, é tudo totalmente verdadeiro”. Todo o que for salvo precisa conhecer as escrituras e concordar plenamente com elas.

Entretanto, é possível que alguém tudo isso sem que tenha fé autêntica, porque a parte principal da fé está na terceira palavra, ou seja, na confiança, na verdade. Não simplesmente acreditar nela, mas para tomar posse dela e apoiar-se nela para salvação. Descansar na verdade é a palavra que os pregadores antigos usavam. Você entende essa palavra: reclinar-se sobre – dizer: “Isto é verdade. Confio minha salvação nela”. A fé verdadeira em sua essência reside nisso – descansar em Cristo. Saber que Cristo é o salvador não me salva. Confiar Nele como meu salvador é que vai me salvar. Não serei poupado na ira vindoura por crer que sua expiação é suficiente; mas serei salvo tronando essa expiação a minha garantia, meu refúgio, meu tudo. O cerne, a essência da fé está nisso – fundamentar-se sobre a promessa. Não é a boia salva – vidas que esta no navio que salva alguém que está se afogando, nem a convicção de que ela é uma invenção muito boa e prática. Não! É preciso colocá-la em volta da cintura, ou segura-la com as mãos se não afogaremos.

Usando uma ilustração antiga e bem conhecida: imagine que começou um incêndio em um quarto do segundo andar de uma casa, e as pessoas se aglomeram na rua. Há uma criança neste andar: como escapará? Ela não pode pular, porque se faria em pedaços. Um homem forte vem para a frente da casa e grita: “”Jogue-se nos meus braços”. Faz parte da fé saber que o homem está ali; outra parte da fé é saber que o homem é forte; mas a essência da fé reside em deixar-se cair nos braços do homem. Essa é a prova da fé e sua verdadeira essência e medula. Portanto, pecador, você precisa saber que Cristo morreu pelos pecadores; precisa compreender também, e crer, que Cristo pode salvar; mas você não será salvo se não colocar sua confiança n’Ele para ser seu salvador para sempre.

Passamos agora para a explanação – por que não podemos ser salvos sem fé.

Há algumas pessoas presentes aqui que estão dizendo: “Agora vamos ver se o Sr. Spurgeon segue alguma lógica”. Vou decepcioná-los, senhores, porque não penso em segui-la. Eu creio ter a lógica que apela aos corações das pessoas, mas não estou propenso a usar a lógica da cabeça, mais fraca, quando posso conquistar os corações de outra maneira. Se, porém, for necessário, não terei medo de provar que conheço mais lógica, também sobre muitas outras coisas, do que os pequenos que arriscam criticar-me. Seria bom para ele se coubesse controlar a língua, o que pelo menos já seria uma parte importante da retórica. Eu confio que minha explanação apelará ao coração e a consciência, apesar de não exatamente agradar os que gostam tanto de exibição de lógica.

Pra quem importa discutir

Que sexo os anjos podem ter.

“Sem fé é impossível agradar a Deus”. Eu concluo isso do fato de que não há um só caso de pessoa na Bíblia que agradou a Deus sem ter fé. O capítulo 11 de Hebreus traz a lista dos que agradaram a Deus. Ouça seus nomes: “Pela fé, Abel ofereceu à Deus mais excelente sacrifício”; pela fé, Enoque foi trasladado”; “pela fé Noé […] aparelhou uma arca”; “pela fé, Abraão, quando chamado, obedeceu, a fim de ir para o lugar que devia receber por herança”; “pela fé peregrinou pela terra da promessa”; “pela fé, também, a própria Sara recebeu poder para ser mãe”; “pela fé, Abraão […] ofereceu Isaque”; “pela fé igualmente Isaque abençoou Jacó”; “pela fé, Jacó […] abençoou cada um dos filhos de José”; “pela fé, José, próximo do seu fim, fez menção do êxodo dos filhos de Israel”; “pela fé, [Moisés] abandonou [as riquezas d] o Egito”; “pela fé, atravessaram o mar vermelho como por terra seca”; “pela fé, ruíram as muralhas de Jericó”; “pela fé, Raabe, a meretriz, não foi destruída”; “E que mais direi? certamente, me faltará o tempo necessário para referir o que há a respeito de Gideão, de Baraque, de Sansão, de Jefté, de Davi, de Samuel e dos Profetas”.

Todos estes foram pessoas de fé. Outros mencionados na Bíblia fizeram alguma coisa, mas Deus não os aceitou. Homens se humilharam, mas Deus não os salvou. Acabe teve um momento de contrição, mas seus pecados nunca foram perdoados. Pessoas se arrependeram, mas não foram salvas, porque seu arrependimento era falso. Judas se arrependeu, enforcou-se e não foi salvo. Outros confessaram seus pecados, mas não foram salvos, como Saul. Ele disse a Davi: “pequei; volta, meu filho”, mas mesmo assim não mudou sua atitude. Multidões tem confessado o nome de Cristo e feito coisas maravilhosas, sem jamais agradarem a Deus pela razão simples de que não tiveram fé. Se não houvesse ninguém mencionado nas escrituras, que registra a história de alguns milhares de anos, não é provável que houve alguém nos outros dois mil anos da história do mundo, se não houve nos quatro mil anteriores. A parte seguinte da explanação é: fé é a graça de humilhar-se, e nada é capaz de fazer um homem humilhar-se senão a fé. Ocorre que, se alguém não se humilhar, seu sacrifício não pode se aceito. Os anjos sabem disso: quando eles louvam a DEUS, eles lançam suas coroas diante dos pés dele. Alguém que não tem fé prova que não consegue humilhar-se: ele não tem fé exatamente porque é orgulhoso demais para crer. Ele declara que não vai renunciar ao seu intelecto, que não se tornara como uma criança e crer bonitinho o que DEUS manda. Ele é arrogante demais, e não pode entrar no céu porque a porta do céu é tão baixa que ninguém pode passar por ela a não ser que se curve. Não houve nem uma pessoa que pode entrar na salvação de cabeça erguida. Temos de ir a Cristo com os joelhos dobrados, pois apesar de Ele ser uma porta grande o suficiente para o maior pecador poder passar, essa porta tão baixa que as pessoas precisam inclinar o rosto ate ao chão se quiserem ser salvas. Portanto, é dessa fé que precisamos, porque a falta de fé é evidencia clara da ausência de humildade.

Vejamos outras razões. A fé é necessária à salvação porque a escritura nos diz que as obras não pode salvar. Contarei uma historia bem conhecida, para que nem os mais simples deixem de entender o que quero dizer. Certo dia um pastor estava a caminho do lugar onde ia pregar. Seu caminho levou-o pelo alto de um monte, e abaixo dele via-se as aldeias adormecidas em sua beleza, os campos de trigo imóveis na primeira luz do sol. Ele, porem, não prestou atenção nisso porque viu uma mulher saindo da porta de sua casa que, ao vê-lo, veio em sua direção com a maior ansiedade e disse:

— “meu senhor, tem algumas chaves ai? Eu quebrei a chave do meu armário, e preciso tirar algumas coisas”.

Ele respondeu:

— “eu não trouxe nenhuma chave”.

Ela ficou decepcionada, porque esperava que alguém tivesse alguma chave. Mas ele continuou:

— “imaginemos que eu tivesse alguma; é bem possível que ela não encaixasse na fechadura, e a senhora ficaria sem poder tirar as coisas que deseja. Mas não desanime; espere por alguém outro”.

Entretanto, no desejo de aproveitar a situação, ele perguntou:

— “A senhora já ouviu falar da chave do céu?”.

— “Oh, sim” ela disse, “já vivi bastante tempo e fui a igreja o suficiente para saber que, se trabalhamos bastante e conseguimos o pão com o suor do rosto, tratarmos bem nosso próximo e nos comportarmos, como diz o catecismo, de modo humilde e reverente diante de todos os que são melhores do que nos, e se fazemos nossa obrigação na estação da vida em que Deus se agradou de nos colocar, e fazemos nossas orações regularmente, seremos salvos”.

— “Ah” ele retrucou, “minha senhora, essa é uma chave quebrada, porque a senhora quebrou os mandamentos; a senhora não fez todas as suas obrigações. A chave é boa, mas a senhora a quebrou”.

— “por favor, senhor” disse ela, vendo que ele entendia do assunto e com olhar assustado, “o que foi que eu esqueci?”.

— “Bem” respondeu ele, “a senhor esqueceu a coisa mais importante, o sangue de Jesus Cristo. A senhora não ouviu falar que a chave do céu esta presa ao seu cinto? Quando Ele abre, ninguém pode fechar; quando Ele fecha, ninguém pode abrir” explicando melhor para ela ele continuou: “É Cristo e só Ele quem pode abrir o céu para a senhora, e não as suas obras”.

— “Mas, senhor pastor”, exclamou ela, “quer dizer que nossas boas ações são desnecessárias?”.

— “de forma alguma, quando juntas com a fé. Se a senhora crê primeiro, pode fazer tantas boas ações quantas quiser. No entanto, se a senhora crê, nunca mais vai confiar nelas, porque se o fizer, a senhora arruinou-as, e não são mais boas ações. Faça quantas boas obras quiser, mas coloque sua confiança totalmente no Senhor Jesus Cristo; se não o fizer, sua chave jamais abrirá a porta do céu”.

Portanto, meus ouvintes, precisamos ter fé autêntica porque a velha chave das obras foi tão quebrada por nós que jamais entraremos no paraíso com ela. Se alguém aqui acha que não tem pecados, vou ser direto: você está se iludindo, e não há verdade em você. Se você imagina que por suas boas obras entrará no céu, jamais houve ilusão mais fatal. No último grande dia você descobrirá que suas esperanças eram inúteis, e que, como folhas secas das arvores no outono, suas ações mais nobres serão levadas pelo vento para o fogo onde você mesmo sofrerá para todo o sempre. Preste atenção em suas boas obras; faça-as depois de crer, mas lembre-se, o meio de ser salvo é simplesmente crer em Jesus Cristo.

Mais uma vez: sem fé é impossível ser salvo e agradar a Deus, porque sem fé não há união com Cristo. Ocorre que a união com Cristo é indispensável à nossa salvação. Se me achego ao trono de Deus com minhas orações, não receberei respostas par elas se eu não trouxer Cristo comigo. Os antigos molóssios, quando não conseguiam do rei o que precisavam, adotavam um expediente singular: tomavam o único filho do rei nos braços e exclamavam, caindo de joelhos diante dele: “Ó rei, por amor ao teu filho atenda o nosso pedido”. Ele sorria e dizia: “Não nego nada a quem pede em nome do meu filho”.

Com Deus é assim. Ele não nega nada a quem vem com Cristo pela mão; quem vem sozinho precisa ser expulso. A união com Cristo é, afinal de contas, o ponto central da salvação. Deixe-me contar uma história para ilustrar isso: As quedas impressionantes do Niágara são conhecidas em todo o mundo. Elas formam um espetáculo esplêndido e podem ser ouvidas de muito longe, mas são fatais para quem por acidente for tragado por elas. Há alguns anos dois homens, um barqueiro e um mineiro, estavam em um barco que não conseguiam mais controlar. Estavam sendo levados rapidamente pela correnteza, e era inevitável que caíssem na catarata e fossem despedaçados. Na margem havia pessoas que os viam mas não podiam fazer muito para salva-los. Acabaram salvando um homem jogando-lhe uma corda que ele conseguiu agarrar. No mesmo instante em que a corda chegou à mão, um tronco passou boiando pelo outro homem. O barqueiro, confuso e irrefletido, em vez de também segurar a corda agarrou o tronco. O erro foi fatal. Ambos estavam em perigo de morte, mas um foi puxado pela margem porque tinha um vinculo com as pessoas ali, enquanto o outro se segurava no ronco e foi arrastado pela correnteza, e desapareceu.

Você não vê que aqui esta uma ilustração pratica? A fé é o vinculo com Cristo. Cristo esta por assim dizer na margem, segurando a corda da fé e, se segurarmos a outra ponta com a mão da confiança, Ele nos puxa para si. Nossas obras, porém, quando não tem relação com Cristo, são arrastadas pela correnteza do desespero. Podemos segura-las com toda força, ate com ganchos de aço, mas no fim elas não nos servem de nada. Tenho certeza de que você entende o que quero lhe mostrar. Algumas pessoas não gostam de historias; continuarei usando-as até que parem de objetar. Não há maneira melhor de apresentar a verdade do que contando historias, como Jesus quando falou do homem que tinha dois filhos, e do homem rico que foi viajar e deu certa quantia a cada funcionário: a um dez talentos, a outro um.

Só mais um argumento. “Sem fé é impossível agradar a Deus” porque é impossível perseverar na santidade sem fé. Quantos cristãos de tempo bom existem em nossos dias! Muitos cristãos se parecem com náuticos, que com tempo bom e agradável nadam na superfície do mar em pequenos cardumes muito bonitos como navios poderosos, mas em que a primeira lufada de vento agita a água, eles recolhem as velas e submergem nas profundezas. Muitos cristãos são assim. Em boa companhia, e, salas de cultos evangélicas, em grupos de estudo em casa, em capelas e reuniões do conselho eles são tremendamente espirituais; porém quando são expostos a um pouco e ridículo, se alguém sorri para eles e os chama de metodistas ou presbiterianos ou algum nome depreciativo, acabou a religiosidade deles até o próximo dia de tempo bom. Então, quando tudo esta bem e a religião atende a suas aspirações, lá vão eles levantar as velas, e são espirituais como antes. Creia em mim, esse tipo de religião é pior que nenhuma. Eu quero que as pessoas sejam exatamente o que são, homens direitos. Se alguém não ama a Deus, que não diga o contrario; mas se é um cristão de verdade, um seguidor de Jesus, que o diga e se garanta. Não há por que se envergonhar-se disso; a única razão de se envergonhar é de ser hipócrita.Sejamos honestos naquilo que professamos, e isso será nossa glória. O que você faria sem fé em épocas de perseguição?! Vocês, pessoas boas e consagrada que não tem fé, o que vocês fariam se a estaca fosse novamente erigida em Smithfield e novamente as chamas reduzissem os santos a cinzas? Se a torre dos lolardos fosse novamente aberta, se a tortura fosse aplicada, o tronco usado, como já foi, pela igreja protestante, como testemunha a perseguição do meu predecessor, Benjamin Keach, que certa vez foi preso no tronco em Aylesbury por escrever um livro contra o batismo de crianças. Mesmo se a forma mais branda de perseguição fosse reiniciada, como as pessoas espalhariam em todas as direções! Alguns dos pastores também abandonariam seus rebanhos. Contarei mais uma historia e espero com isso levá-los a ver a necessidade da fé, enquanto me encaminho à ultima parte do meu discurso. Um americano dono de escravos, na ocasião de comprar mais um, disse ao mercador com quem estava barganhando:

— “Diga-me honestamente: quais são seus defeitos?”

O vendedor respondeu:

— “Que eu saiba, ele só tem um defeito: ele costuma orar”.

— “Bem” disse o comprador, “eu não gosto disso, mas conheço algo que vai curá-lo rapidamente desse defeito”.

Assim, no dia seguinte o escravo foi surpreendido por seu patrão quando orava com fervor em meio à plantação, intercedendo por este, a esposa dele e sua família. O homem ficou parado ouvindo, e não disse nada no momento; mas, na manha seguinte, chamou-o e disse:

— “Não quero brigar com você, meu homem, mas não quero que ore na minha propriedade; pare com isso”.

— “Patrão” respondeu este, “não consigo parar de orar; tenho que orar sempre”.

— “Vou ensinar a você orar se continuar com isso!”.

— “Patrão, tenho que orar”.

— “Bem, vou lhe dar vinte e cinco chicotadas por dia ate que você pare”.

— “Patrão, mesmo que me dê cinquenta, tenho que orar”.

— “Se é assim que você é rebelde com seu patrão, vai ter logo o que merece”.

O patrão amarrou-o no pelourinho, deu-lhe vinte e cinco chicotadas e perguntou se iria orar de novo.

— “Sim, patrão, tem que orar sempre; não consigo parar”.

O patrão olhou atônito; não conseguia compreender como um pobre santo podia continuar orando quando não parecia lhe fazer nenhum bem, só perseguição. Contou à sua esposa do ocorrido. Sua esposa lhe disse:

— “Por que você não deixa o pobre homem orar? Ele faz bem o seu trabalho; você e eu não ligamos para a oração, mas não há mal algum em deixá-lo orar, se ele cumprir com suas tarefas”.

— “Mas eu não gosto disso” disse o patrão. “Ele sempre me deixa muito assustado. Você devia ver como ele olha para mim”.

— “Ele estava com raiva?”.

— “Não. Eu não devia me preocupar com isso, mas depois que eu tinha surrado ele olhou para mim com lagrimas nos olhos, como se tivesse mais pena de mim do que de si mesmo”.

Naquela noite o patrão não conseguiu dormir. Ele rolava na cama de um lado para o outro; seus pecados lhe foram trazidos à memória, e ele se conscientizou de que tinha perseguido um santo de Deus. Sentando-se na cama, ele disse à sua esposa:

— “Mulher, você poderia orar por mim?”.

— “Eu nunca orei em toda a minha vida” ela respondeu. “Não sei orar por você”.

— “Estou perdido” disse ele. “Se alguém não orar por mim; não posso orar por mim mesmo”.

— “Eu não sei de ninguém aqui na propriedade que saiba orar, a não ser Cuffey, o novo escravo”, disse sua esposa.

Fizeram soar a campainha, e Cuffey foi trazido. Tomando a mão de seu servo negro, o patrão disse:

— “Cuffey, você pode orar por seu patrão?”.

— “Patrão estou orando pelo senhor desde que me chicoteou, e pretendo orar sempre pelo senhor”.

Cuffey caiu de joelhos e derramou suas lágrimas, e ambos, marido e esposa, foram convertidos. Aquele homem negro não poderia ter feito isto sem fé. Sem fé ele teria ido embora na mesma hora, dizendo:

— “Patrão, vou parar de orar; não quero mais o chicote do homem branco”.

Mas porque ele perseverou por sua fé, o Senhor honrou-a e lhe deu a alma do seu patrão por salário. Agora, para concluir, a pergunta, a pergunta vital: querido ouvinte, você tem fé? Você crê no Senhor Jesus Cristo de todo seu coração? Se sim, você tem esperança e ser salvo. Sim, você pode concluir com certeza que jamais verá a perdição. Você tem fé? Devo ajudar você a responder esta pergunta? Quero lhe dar três testes, o mais breve que eu puder, para não o cansar e depois chega por esta manhã. A pessoa que tem fé renunciou a sua justiça própria. Se você colocar um átomo de confiança em si mesmo, você não tem fé; se você se apoiar um pouco que seja em qualquer coisa que não o que Cristo fez, você não tem fé. Se você confia em suas obras, então elas são anticristo, e Cristo e anticristo de forma alguma podem andar juntos. Cristo quer tudo ou nada; ele deve ser um Salvador totalmente ou não ser Salvador. Se, então, você tem fé, você pode dizer:

Não tenho nada em minha mão;

Na cruz esta a Salvação.

Em segundo lugar, a fé autêntica pode ser reconhecida porque era uma grande estima pela pessoa de Cristo. Você ama a Cristo? Você morreria por Ele? Você procura servi-lo? Você ama seu povo? Você pode dizer:

Jesus, teu nome é para mim

Som doce ao coração.

Sim! Se você não ama a Cristo, você não crê nele, porque crer em Cristo gera amor. E mais uma coisa: quem tem fé autêntica tem obediência autentica. Se alguém diz que tem fé e não tem obras, esta mentindo. Se alguém declara que crê em Cristo e não leva uma vida santa, esta cometendo um erro, porque, apesar de não confiar em boas obras, sabe que a fé sempre gera boas obras. A fé é a mãe da santidade, e não existe mãe que não ame seu filho. Deus abençoa com as duas mãos. Numa mão ele tem o perdão, mas na outra ele tem santidade; ninguém pode ter um sem tem outra.

Charles Haddon Spurgeon

Nota: Charles Haddon Spurgeon (1834-1892) foi Ministro Batista, Pastor da Igreja Batista de New Park Street (1854-1892 – Londres, Inglaterra), conhecido a partir de 1861 como o Tabernáculo Metropolitano. Fundou e presidiu a Escola de Pastores.

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